Gripe aviária: ela pode desembarcar no Brasil?
Autoridades em saúde consideram baixo o risco de uma emergência em razão do vírus que infecta aves, mas a detecção da doença em humanos pelo mundo acende o alerta da necessidade de medidas preventivas
Com os reflexos da pandemia de covid-19 ainda tão presentes no corpo e na mente de quem viveu essa crise sanitária, é natural a preocupação diante da possibilidade de propagação de qualquer vírus respiratório. Não seria diferente com a chamada gripe aviária, que, de acordo com o relatório de 21 de fevereiro de 2025 da Organização Mundial da Saúde (OMS), infectou mais de 950 pessoas em 24 países entre 2003 e 2024, causando a morte de mais de 460 desses pacientes. Em outro documento, este de dezembro de 2024, a entidade pondera que, apesar do número elevado e crescente de surtos em animais, houve relativamente poucas infecções humanas.
“A influenza aviária é causada por vírus que circulam na natureza, especialmente entre aves aquáticas selvagens”, explica Jéssica Fernandes Ramos, infectologista do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. “Eles são uma preocupação significativa pelo potencial de causar surtos em humanos. Isso porque passaram a ser detectados também numa ampla gama de espécies animais, incluindo aves domésticas, como galinhas, patos, perus, assim como mamíferos”, observa a médica.
“Tem algumas características no envelope lipídico da influenza aviária que faz com que o vírus consiga circular entre animais”, diz Fernanda Boulos, diretora médica de Ensaios Clínicos do Instituto Butantan. “O que já se viu na onda do H5, que vem circulando hoje, é que, além de aves e porcos, ele aparece em mamíferos marinhos”, continua. Em outubro de 2023, por exemplo, a doença atingiu um grupo de leões-marinhos no Rio Grande do Sul. “E mais recentemente, nos Estados Unidos, teve caso em gado, além de alguns poucos em animais domésticos, como gatos”, informa a diretora do Butantan.
De acordo com Jéssica Ramos, que integra a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), a transmissão para humanos pode acontecer principalmente em quem tem contato direto com muco e fezes de animais infectados ou mesmo pela inalação de partículas virais nos criadouros. “Alguns estudos recentes mostram que em 2024, num período curto, houve casos em humanos, principalmente na China e no Vietnã, mas também com notificações na Austrália, na Índia, no México e nos Estados Unidos”, conta a especialista.
Transmissão entre humanos e sintomas
Segundo a OMS, em 2007 e nos anos anteriores, foram detectados pequenos grupos de infecções pelo vírus em humanos, incluindo a transmissão limitada de pessoa para pessoa, de pacientes para profissionais de saúde.
“Quando se fala da migração do vírus para humanos, existem duas formas. Uma que já acontece, de pessoas que tiveram contato com algum bicho contaminado, seja uma ave selvagem que foi encontrada morta no litoral seja em criadouro”, descreve Fernanda Boulos. “O que nos preocupa é a transmissão inter-humana, quando o vírus consegue passar de pessoa para pessoa por gotículas respiratórias. Para que isso aconteça ele precisa sofrer uma drift, mutação que permita sua adaptação às células pulmonares. A pandemia ou epidemia entre humanos só acontece se houver essa mutação”, esclarece.
O comunicado de 2024 da OMS informa: “Os vírus atualmente detectados em mamíferos, inclusive em casos humanos, retêm em grande parte as características genômicas e biológicas dos vírus da gripe aviária e permanecem bem adaptados e espalhados entre os pássaros”.
Não é prudente, porém, negligenciar os cuidados. “O principal deles é evitar o contato direto com aves silvestres ou domésticas com sinais da doença”, diz Jéssica Ramos. “O uso de equipamento de proteção individual para quem trabalha com esses animais e seus produtos é imprescindível”, recomenda. E, não custa lembrar, é preciso manter práticas rigorosas de higiene, lavando as mãos com frequência, como aprendemos com a pandemia de covid-19.
Normalmente o período entre o contato com a ave doente e o início dos sintomas varia entre dois e oito dias, e o diagnóstico é confirmado por teste de PCR, que detecta o material genético do vírus. Nos casos constatados em humanos, os sintomas se assemelham aos da gripe comum: febre alta, tosse, dor de garganta, dor muscular. “Em quadros mais graves, falta de ar, dificuldade para respirar e evolução para pneumonia”, destaca a médica do Sírio-Libanês. “Mais recentemente, pessoas que tiveram contato com gado contaminado apresentaram outros comprometimentos de mucosa menos graves, como conjuntivite”, revela Fernanda Boulos.
Segundo Jéssica Ramos, o manejo da infecção, especialmente a causada pelo subtipo H5N1, o mais comum hoje, envolve o uso de inibidores de neuraminidase, uma enzima que favorece a disseminação do vírus. “Eles são eficazes para reduzir a replicação viral. O ideal é administrar preventivamente dentro das primeiras 48 horas após a exposição”, avisa.
“Neste momento é fundamental saber que o risco de infecção humana pelo vírus da gripe aviária no Brasil é muito baixo e há medidas preventivas que podem reduzi-lo ainda mais. As autoridades de saúde estão monitorando continuamente. O importante é se manter informado por fontes oficiais e confiáveis”, conclui Jéssica Ramos.
O status da vacina do Butantan
Fernanda Boulos fala sobre o andamento do imunizante
“Como qualquer vírus influenza, não existe tratamento específico para a gripe aviária, daí a importância de uma vacina para o caso de ocorrer transmissão inter-humanos. O Butantan vem trabalhando no desenvolvimento dessa vacina pré-pandêmica, com produto feito a partir de uma cepa e que está em finalização de estudos pré-clínicos, ou seja, feito em duas espécies animais, ratos e coelhos. E foi submetida à Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] a solicitação para início de um primeiro estudo em humanos. A agência emitiu uma rodada de perguntas e pedidos de esclarecimentos, já respondidos pelo Butantan, e agora estamos aguardando a autorização. A tecnologia dessa vacina de alguma forma é semelhante à da vacina sazonal, porque é o vírus influenza, sendo produzida em ovos. No entanto, ela também contém um adjuvante, o que aumenta a potência imunogênica. Ainda falta muito até se pensar na implementação para um contexto sazonal. Vamos avaliar se é segura, se é imunogênica, e deixá-la pronta para o caso de ter transmissão inter-humanos e para fazer uma atualização de cepa, porque o influenza muta muito. A partir daí, a implementação de rotina vai depender do cenário epidemiológico. Se for um vírus que circula e sai de cena, pode ser uma vacinação durante determinado período. Se for um vírus que permaneça circulando, como o Sars-Cov-2, com muitas mutações, vira uma vacinação sazonal, seja para grupos de risco, seja para a população inteira. Ainda é cedo para dizer.”
28 de fevereiro de 2025
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