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O dilema dos médicos sem especialização no Brasil

Proliferação de faculdades e de cursos de pós-graduação expõem o país ao fenômeno dos “falsos especialistas”

No dia 30 de abril de 2025, foram divulgados os novos dados da pesquisa Demografia Médica Brasileira — e eles acenderam um sinal de alerta importante. Hoje, o Brasil conta com 597.428 médicos em atividade, mas 244.141 não possuem título de especialista. Em outras palavras, 41% estão atuando sem uma especialização reconhecida.

Esses profissionais são classificados como médicos generalistas. Ou seja, concluíram a graduação, mas não realizaram uma residência médica credenciada pela Comissão Nacional de Residência Médica (CNRM), tampouco obtiveram algum título por meio de sociedades de especialidade reconhecidas pela Associação Médica Brasileira (AMB).

Mais do que um dado estatístico, esse número revela um problema estrutural da formação médica no país. O crescimento acelerado do número de faculdades e a facilidade de entrada no mercado criaram um cenário em que muitos recém-formados não passam por um treinamento mais aprofundado antes de começarem a atender pacientes. E isso afeta diretamente a qualidade da assistência prestada à população.

Há ainda uma tendência preocupante que ganha espaço no Brasil: a de médicos que concluem cursos de pós-graduação lato sensu — muitas vezes com carga horária reduzida e sem prática supervisionada — e que, a partir daí, autointitulam-se “especialistas”. Esses cursos, embora possam agregar conhecimento, não conferem o título de especialista. Imagine, por exemplo, confiar a saúde do seu coração a um médico que se diz cardiologista, mas que, na verdade, só fez um curso de fim de semana sobre saúde cardiovascular. 

A AMB não deixa margem para dúvidas: só é considerado especialista aquele médico que conclui residência médica credenciada pelo Ministério da Educação (MEC) ou que obtém o título de especialista por meio de prova aplicada por uma sociedade da especialidade filiada à AMB. Qualquer outra titulação fora desses critérios não é reconhecida oficialmente e pode induzir o paciente ao erro.

Esse fenômeno é particularmente visível na Endocrinologia, que figura entre as especialidades com maior número de cursos de pós-graduação ofertados. Eram 147 formações do tipo em 2024. No entanto, a maior parte não tem vínculo com a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e não habilita o profissional como endocrinologista de fato. Alguns desses profissionais se chamam de “hormonólogos”, uma especialidade que não é reconhecida e que está sujeitando pessoas saudáveis a um uso indiscriminado de hormônios exógenos, que podem trazer efeitos colaterais.

Vejo essa realidade com preocupação. A especialização médica não é apenas um título; trata-se de uma responsabilidade com o saber, com a ética e com o paciente. A prática da Medicina exige preparo contínuo, experiência prática supervisionada e compromisso com a verdade científica.

É importante dizer: médicos generalistas possuem um papel essencial na atenção primária e resolvem a maioria das condições de saúde. Por outro lado, em situações clínicas mais complexas, o acompanhamento por um especialista de verdade faz diferença na segurança, no diagnóstico e nos resultados do tratamento.

A população tem o direito de saber quem é, de fato, especialista. Por isso, ao escolher um médico, pergunte sobre titulações reconhecidas pela AMB e sobre sua residência médica oficial. Essa simples atitude garante um cuidado mais seguro e responsável.

E fica o alerta: o Brasil precisa repensar urgentemente a maneira como forma e regula seus médicos. A qualidade não pode ser sacrificada pela quantidade. Cuidar de vidas exige mais do que um diploma — exige excelência.

Por Orlando Ferreira,

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Carlos Eduardo Barra Couri

Médico endocrinologista e curador do Portal Olhar da Saúde.

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