Olhar da Saúde 2025-Thumbs-Declaração de Bruxelas

Declaração de Bruxelas: exame de lipoproteína(a) entra na lista de avaliação obrigatória para o coração

Maiores lideranças cardiológicas mundiais recomendam a dosagem dessa partícula pelo menos uma vez na vida. Mas o que é a Lp(a) e o que ela pode causar ao organismo?

Resultado do encontro de especialistas realizado na Bélgica, em março de 2025, a Declaração Internacional de Bruxelas sobre Testes e Gestão de Lipoproteína(a) enfatiza: há evidências contundentes de que uma alta concentração de lipoproteína(a) [Lp(a)] representa um significativo fator de risco cardiovascular. No entanto, ainda de acordo com o documento, as taxas de testagem de Lp(a) são muito baixas, entre 1 e 2% da população global. 

Um dos signatários do consenso, o cardiologista Raul Dias Santos, diretor da Unidade Clínica de Lípides do Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), esclarece: “Todo mundo tem Lp(a) no sangue. Só que a sua concentração é determinada pelos genes, e um em cada cinco indivíduos tem valores considerados elevados. Quanto mais alta ela estiver, maior o risco de problemas cardiovasculares”. 

A Lp(a) tem uma estrutura semelhante à da lipoproteína de baixa densidade (LDL) – que costumamos chamar de “colesterol ruim” –, mas apresenta uma proteína a mais, a apolipoproteína(a). Medida em miligrama por decilitro ou em nanomol por litro, a Lp(a) é classificada como alta quando os valores ficam acima de 50 mg/dL ou 125 nmol/L. 

Temos estudos epidemiológicos e genéticos muito robustos mostrando a associação não só da Lp(a), mas dos genes que aumentam essa partícula, com maior probabilidade de doença coronária, de AVC e de calcificação da válvula aórtica”, diz Raul Santos, que é também pesquisador do Academic Research Organization (ARO) do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. Esta última condição, mais frequente em idosos, pode levar à estenose aórtica, um estreitamento que dificulta a passagem do sangue para o coração. 

Por que a lipoproteína(a) pode desencadear tantas encrencas

“Como é muito parecida com LDL, ela também carrega colesterol”, diz o cardiologista. “Tanto que parte do colesterol da Lp(a) muitas vezes é contada erroneamente como se fosse LDL. O exame de sangue comum não diferencia”, argumenta. 

Sendo rica em colesterol, a Lp(a) contribui para o processo de formação de placas nos vasos sanguíneos. Além disso, ela é pró-inflamatória. Isso porque transporta fosfolipídios oxidados, que têm papel importante no processo de aterosclerose, o acúmulo de gordura, cálcio e outros elementos com potencial de bloquear e enrijecer as artérias.

“Há ainda um terceiro mecanismo relacionado à elevação da Lp(a), que é o fato de ser muito parecida com o plasminogênio, uma substância que dissolve os trombos”, aponta Raul Santos. Em razão dessa semelhança, a partícula compete com o plasminogênio, impedindo sua atuação – dessa maneira, predispõe a tromboses, ou seja, a formação de coágulos no sangue.

De acordo com o expert do InCor, diferentemente de estudos do passado, que ainda deixavam dúvidas sobre o elo da Lp(a) e doença cardiovascular, as pesquisas atuais trazem evidências incontestáveis dessa relação.

Além disso, a partícula em questão serve como um marcador de risco residual quando outros fatores são mitigados. “Por exemplo, mesmo quando se consegue baixar o LDL, controlar a pressão e a pessoa para de fumar, se a Lp(a) é alta, há uma chance maior de acontecer um evento cardíaco”, alerta o médico. 

Quando os valores são excessivos, algo como 300, 350 nmol/L, a Lp(a) sozinha já se torna uma ameaça. Mas para a maioria das pessoas as taxas não são tão extremas. Nesses casos, é bom que se diga, ter a partícula elevada, por si só, não significa a iminência de sofrer um infarto. O perigo cresce a partir de uma somatória de premissas, como tabagismo, diabetes, obesidade, sedentarismo, alimentação inadequada… 

Quem precisa dosar a lipoproteína(a)

Idealmente, recomenda a Declaração de Bruxelas, a medição de Lp(a) deve ser feita por todo mundo pelo menos uma vez na vida. “Como geralmente o comportamento da partícula é bastante estável, não é preciso dosar com frequência, como se faz com o colesterol”, explica Raul Santos. “A Lp(a) tende a subir durante um processo inflamatório agudo, logo após uma grande cirurgia, por exemplo. Nesse caso, ao passar a crise, vale a pena medir de novo”, diz. “Outra situação em que ela costuma aumentar cerca de 20% é em mulheres na menopausa”, completa.

É preciso olhar com atenção as taxas de Lp(a) de pessoas jovens com problemas de coração, assim como de indivíduos com doença cardiovascular estabelecida e sobretudo recorrente. Também é prudente checar a lipoproteína(a) de indivíduos com histórico de hipercolesterolemia familiar, aqueles com colesterol nas alturas por questões genéticas. 

Uma coisa é certa: devido ao caráter hereditário, se o teste identifica alguém com Lp(a) na faixa de risco, os familiares precisam ser avaliados. Segundo informação da Declaração de Bruxelas, “pode-se esperar que aproximadamente 40 a 50% (em certas condições, até mais) dos parentes de primeiro grau (pais, irmãos e filhos) também apresentem concentrações elevadas de Lp(a)”.  

Mas o que fazer diante de um laudo mostrando a elevação dessa partícula? “A estratégia é reforçar o tratamento preventivo, com controle mais rigoroso do colesterol, da pressão”, responde Raul Santos. Isso sem contar, claro, as orientações sobre estilo de vida, que valem para todos, com ou sem Lp(a) alta: fazer atividade física, parar de fumar, se alimentar melhor. 

“Agora, se a pessoa já teve um infarto e a Lp(a) é muito alta, é preciso considerar a necessidade de uma redução intensiva de LDL, usando os inibidores de PCSK9”, pondera o médico. Essa classe de medicamentos, capaz de derrubar drasticamente o colesterol ruim, pode diminuir em torno de 20% a Lp(a) e poderia trazer algum benefício, principalmente se ela estiver em níveis extremados.

Mas tem remédio específico para baixar a lipoproteína(a)? 

As terapias para refrear a Lp(a) ainda estão em fase de ensaios clínicos. Mas a boa notícia é que há grandes investimentos no desenvolvimento desses fármacos, com potencial de reduzir em 80, 90 e até 100% a partícula.

“São drogas muito potentes, a maioria age bloqueando a produção da Lp(a) pelo fígado. Mas ainda não há evidências de que a queda nas taxas gere também diminuição no risco cardiovascular. Para isso, estão sendo realizados pelo menos cinco grandes estudos, três deles com a participação de milhares de brasileiros”, conta Raul Santos. “O primeiro deve ter os resultados apresentados no ano que vem”, arremata.

Por Goretti Tenorio,

Olhar da Saúde-Goretti Tenorio

Goretti Tenorio

Jornalista pela ECA-USP, desde 2010 escreve sobre saúde para diferentes veículos.

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