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Hepatites virais: o inimigo invisível que ataca o fígado em silêncio

Hepatites virais: o inimigo invisível que ataca o fígado em silêncio

Apesar de serem graves e terem tratamento, a maioria dos médicos se esquece de rastrear hepatites, especialmente as crônicas e silenciosas, como a B e C

As hepatites virais continuam sendo uma grande preocupação de saúde pública no Brasil, mas ainda enfrentam um obstáculo silencioso: a falta de percepção da população sobre sua gravidade. Ao contrário de outras doenças amplamente divulgadas, as hepatites raramente ocupam o centro das conversas e isso pode custar caro.

“Há momentos de maior atenção, como o Julho Amarelo, dedicado às campanhas de conscientização sobre as hepatites virais, mas depois elas são esquecidas”, afirma a médica hepatologista Ana Carolina Cardoso, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). 

Entre os cinco tipos principais (A, B, C, D e E), os que mais preocupam os especialistas são a hepatite B e C, por serem silenciosas e pelo seu potencial de se tornarem doenças crônicas, capazes de causar cirrose e até a necessidade de transplante de fígado. “A hepatite C ainda é uma das principais causas de transplante de fígado no Brasil e no mundo. Embora hoje exista um grande número de pacientes curados, muitos deles já apresentam sequelas no fígado e acabam precisando de transplante”, explica a hepatologista.

Segundo Ana Carolina, também aumentou o número de casos relacionados à gordura no fígado, mas o vírus C da hepatite ainda lidera as causas de transplante deste órgão. “Por isso é tão importante falar sobre o assunto, pois mesmo com tratamento disponível, muita gente vive com hepatite viral crônica sem saber e sem apresentar qualquer sintoma. Quando o corpo começa a dar sinais, muitas vezes o fígado já está muito comprometido”, diz.

O cenário melhorou nos últimos anos graças à vacina contra hepatite B, disponível no Sistema Único de Saúde (SUS) desde a década de 1990, e aos avanços no tratamento da hepatite C, que deixou de ser feito com medicamentos injetáveis e pouco eficazes para se tornar um tratamento oral e de alta taxa de cura. Mas isso também criou um efeito colateral perigoso: “Com a melhora do tratamento da hepatite C, muita gente passou a achar que era um problema resolvido. Só que não é. Ainda há milhares de pessoas vivendo com o vírus sem saber. E o fígado segue sendo agredido em silêncio”, alerta Ana Carolina.

Surtos de hepatite A

Além disso, surtos recentes de hepatite A vêm sendo registrados em alguns estados brasileiros, como São Paulo e Paraná. Diferentemente das demais, essa variante não se torna crônica, mas pode causar quadros agudos graves, com sintomas como olhos amarelados, cansaço intenso e febre, ou até se manifestar como uma gripe comum, o que dificulta o diagnóstico precoce.

Rastreamento e diagnóstico

Seja qual for o tipo de hepatite, o diagnóstico precoce é essencial. A Sociedade Brasileira de Hepatologia (SBH) recomenda que todas as pessoas a partir dos 40 anos devem fazer pelo menos uma vez o teste para hepatites A, B e C. Ainda assim, o rastreamento costuma ser negligenciado, principalmente em consultas com médicos de outras especialidades.

“É muito importante que o próprio paciente nos ajude nesse sentido e peça o teste, ou procure uma Unidade Básica de Saúde, onde pode fazer o teste rápido”, reforça Ana Carolina. O exame é simples, gratuito e pode detectar a presença de anticorpos. Se positivo, novos exames são feitos para confirmar a infecção ativa.

A frequência do rastreamento vai depender do perfil de risco. Para a população em geral, uma triagem a cada dois ou três anos pode ser suficiente. Já para pessoas que fazem ou fizeram uso de drogas, o rastreio precisa ser mais frequente.

Vacinação ainda é a melhor forma de prevenção

Atualmente, o SUS disponibiliza gratuitamente a vacina contra a hepatite B, aplicada em três doses, sendo que a primeira é aplicada no bebê ainda na maternidade.

Já a imunização contra hepatite A não está disponível na rede pública. O acesso só é possível por meio de clínicas privadas. Embora esse tipo de hepatite não se torne crônico, ele pode causar quadros agudos graves e, em surtos, representar risco à saúde pública.

Diante desse cenário, fica evidente a importância do rastreamento precoce e da vacinação como ferramentas para conter o avanço das hepatites virais. Quanto mais cedo o diagnóstico, maiores as chances de tratamento bem-sucedido, e de evitar que um vírus silencioso comprometa o que temos de mais precioso: a nossa saúde.

Tipos de hepatite

Existem cinco tipos de hepatites virais, mas duas delas são relativamente raras, por isso são desconhecidas do público em geral. Aqui vamos falar sobre cada uma delas:

Hepatite A 

  • O que é: infecção viral aguda que, na maioria das vezes, tem evolução benigna. Pode causar sintomas parecidos com os de uma gripe, mas alguns casos apresentam icterícia (pele e olhos amarelados), cansaço e mal-estar.
  • Transmissão: via fecal-oral, por meio de água e alimentos contaminados. Ainda é comum em locais com saneamento precário ou manipulação inadequada dos alimentos.
  • Prevenção: vacinação (disponível no SUS), higiene adequada das mãos e consumo de água tratada e alimentos bem lavados e cozidos.

Hepatite B

  • O que é: infecção viral que pode se tornar crônica e silenciosa, com potencial para evoluir para cirrose ou câncer de fígado, mesmo sem sintomas visíveis por anos.
  • Transmissão: relação sexual desprotegida, transmissão vertical, isto é, da mãe para o bebê durante o parto, ou contato com sangue contaminado (lâminas, giletes, alicates, agulhas, tatuagem, piercing etc.)
  • Prevenção: vacinação (disponível no SUS), usar preservativo nas relações sexuais e evitar compartilhamento de objetos cortantes.

Hepatite C

  • O que é: doença viral que, na maioria dos casos, evolui silenciosamente para formas crônicas, podendo causar cirrose. É uma das principais causas de transplante de fígado no Brasil e no mundo.
  • Transmissão: contato com sangue contaminado (agulhas, seringas, alicates, lâminas, procedimentos sem esterilização adequada). Apesar de raro, é possível ocorrer transmissão durante a relação sexual quando há contato com sangue.
  • Prevenção: não há vacina. É importante tomar cuidado com instrumentos cortantes e procedimentos invasivos. A testagem regular, principalmente em populações de risco, é essencial para fazer o diagnóstico precoce e o tratamento adequado, a fim de evitar complicações graves.

Hepatite D (Delta)

  • O que é: infecção causada pelo vírus delta, que só se manifesta em pessoas que já têm hepatite B. É considerada uma forma mais agressiva da hepatite. “No Brasil, os casos se concentram principalmente na região amazônica. Em outras regiões, é rara”, aponta Ana Carolina.
  • Transmissão: mesmos meios da hepatite B (sangue contaminado, relação sexual e transmissão vertical), mas só ocorre em coinfecção com o vírus B.
  • Prevenção: a única forma de evitar a hepatite D é prevenindo a hepatite B. Vacinação contra hepatite B é fundamental.

Hepatite E

  • O que é: doença viral geralmente benigna, com sintomas parecidos aos da hepatite A. Em algumas populações específicas, como gestantes, pode ser mais grave.
  • Transmissão: via fecal-oral, como a hepatite A, por água e alimentos contaminados.
  • Prevenção: saneamento básico, higiene pessoal e alimentar. Vacina está disponível apenas em alguns países, não no Brasil.

Por Letícia Martins,

Olhar da Saúde-Leticia Martins

Letícia Martins

Jornalista com foco em saúde, escritora, fundadora da Momento Saúde Editora e da revista Momento Diabetes.

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