Mais do que um sorriso bonito: a boca como porta da saúde do corpo
Os cuidados com dentes, gengiva e toda a cavidade bucal evitam desconforto e melhoram a autoestima, é bem verdade. Mas essa é também estratégia importante para prevenir problemas como diabetes e doenças cardiovasculares
O assunto é tão relevante que tem até uma data especial – 20 de março, Dia Mundial da Saúde Bucal – para lembrar que dentes saudáveis são indicadores de qualidade de vida e bem-estar.
“Todo mundo já se deparou com a famosa expressão ‘A saúde começa pela boca’. Muito além de um ditado popular, ela carrega um profundo significado, já que está diretamente ligada à saúde do corpo como um todo. É impossível separar uma da outra”, destaca a cirurgiã-dentista Nathalia Vilela Souza, professora do curso de especialização em Periodontia da Faculdade de Odontologia da Universidade de São Paulo (FOUSP).
A associação se justifica, afinal, nessa entrada pela qual falamos, comemos e respiramos, e em meio a órgãos e tecidos como língua, gengiva e dentes, circulam bactérias e outros micro-organismos que, quando entram em desequilíbrio, podem desencadear problemas como cáries, mau hálito, gengivite e doença periodontal.
Os prejuízos, porém, não ficam restritos à boca. Pela circulação sanguínea, os agentes migram para diferentes partes do organismo, causando desordens de todo tipo.
No diabetes, uma via de mão dupla
No caso de quem tem a condição gerada pelo descontrole de glicose no sangue, infecções na gengiva fazem parte de circulo vicioso. “Por um lado, a periodontite, uma doença inflamatória que afeta os tecidos de suporte ao redor dos dentes, é uma das complicações do diabetes”, explica a Nathalia Souza.
Isso porque alterações bioquímicas próprias da doença, como secura na boca e propensão a lesões vasculares, aumentam a suscetibilidade à infecção periodontal. Na contramão, os mecanismos inflamatórios da periodontite abalam o controle glicêmico, aumentando o resistência à insulina, o hormônio responsável por manter o equilíbrio das taxas de glicose.
As evidências científicas sobre essa relação bidirecional levaram a Federação Internacional de Diabetes e a Federação Europeia de Periodontia a publicar diretrizes para orientar profissionais de saúde a fazer o diagnóstico precoce, a prevenção e o manejo das duas doenças e a alertarem os pacientes a não ignorarem sinais importantes, como sangramento e dor nas gengivas e halitose.
Impactos também no coração
Em 2020, um artigo do Journal of Clinical Periodontology respondeu à pergunta: as pessoas com periodontite apresentam maior risco de infarto do miocárdio e outros eventos coronarianos? “De acordo com a publicação, há, sim, uma relação entre a infecção nas gengivas e o desenvolvimento de doenças cardiovasculares”, diz Nathalia Souza. “Por esse motivo, esses pacientes devem gerenciar todos os demais fatores de risco, como tabagismo, sedentarismo, excesso de peso, hipertensão e taxas de colesterol e glicose”, complementa. O mesmo documento adverte ainda para o risco aumentado de pessoas com a infecção na gengiva sofrerem um acidente vascular cerebral (AVC).
A disseminação indiscriminada das bactérias com origem na boca pode contribuir ainda para quadros de hipertensão, outra ameaça à saúde cardiovascular e também dos rins. Ao passear pela corrente sanguínea, esses agentes acabam interferindo nos sistemas de controle da pressão. Veja o que diz uma recente publicação do periódico The Journal Of Clinical Hypertension, que analisou dados de estudos envolvendo mais de 270 mil pessoas: “a escovação é uma forma eficaz de reduzir a formação de placas bacterianas, reduzindo assim o risco de doença periodontal. E, entre os achados, os pesquisadores apontam que uma frequência menor de higienização eleva em mais de 80% o risco de sofrer de pressão alta em comparação a grupos que capricham mais na limpeza em prol de gengivas mais saudáveis”.
Atenção aos indícios e cuidados diários
De acordo com Nathalia Souza, quando algo começa a deteriorar a saúde bucal, os sinais logo aparecem. “Gosto ruim na boca, dores nas gengivas ou nos dentes, inchaço e sangramento gengival podem indicar inflamação”, descreve. Além disso, a presença de fístula dental, aquelas bolinhas de pus na gengiva, sugerem que uma infecção está se instalando. Vale ficar de olho ainda se há alteração na saliva, com a sensação de boca seca, por exemplo. “O cirurgião-dentista é indispensável para orientar em relação ao gerenciamento desses sintomas”, pondera a professora.
A visita regular ao dentista, aliás, faz parte das orientações para manter a boca em ordem. A recomendação geral é fazer as consultas de acompanhamento a cada seis meses. “Esse intervalo de tempo, no entanto, deve ser avaliado individualmente levando em consideração as particularidades de cada pessoa”, pondera Nathalia Souza.
No dia a dia, não custa relembrar os bons e velhos hábitos de higiene: escovar os dentes pelo menos duas vezes ao dia por no mínimo dois minutos. Sem esquecer o fio dental, para retirada dos resíduos.
Ajustes no estilo de vida, deixando de lado cigarros, maneirando na ingestão de bebida alcoólica e zelando por um cardápio saudável, fazem parte do pacote de cuidados.
Não à toa, o lema da campanha de 2024 do Dia Mundial da Saúde Bucal reforça: “boca feliz é… corpo feliz”. Ou seja, cuide bem dela.
5 de abril de 2024
,Goretti Tenorio
Jornalista pela ECA-USP e desde 2010 escreve sobre saúde para diferentes veículos.