Prometem prever doenças – mas será que os testes genéticos entregam o que anunciam?
Esmiuçar as particularidades do DNA pode ajudar no diagnóstico precoce, mas a popularização de kits de testagem vendidos diretamente ao consumidor levanta questões sobre confiabilidade e o risco de interpretações equivocadas dos resultados
Conhecer detalhes sobre a ancestralidade, o tipo de dieta mais adequado e mesmo a predisposição de desenvolver determinadas doenças por meio da análise do DNA. A decodificação do genoma humano vem impulsionando o uso de testes genéticos como recurso para saber mais sobre a história familiar e levantar dados relacionados à saúde.
A possibilidade de comprar em farmácia ou sites de empresas especializadas kits que permitem a autocoleta de saliva ou de material da parte interna da bochecha tem levado muita gente a fazer esse tipo de exame por conta própria. Mas quando vale a pena se submeter a essa análise e que cuidados tomar para não cair em interpretações errôneas do laudo?
É bem verdade que muitos recorrem a esses testes apenas em busca de respostas sobre a ancestralidade, de onde vieram seus antepassados, quais as origens geográficas e étnicas da família. Nesses casos, de uso recreativo, ainda que haja alguma distorção, os resultados são inofensivos.
Médico geneticista no Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre, Osvaldo Artigalás usa uma analogia para explicar o princípio por trás da testagem: “Nosso DNA é como se fosse a grande biblioteca de informações para a formação do nosso organismo. Ele é escrito em quatro letras, as quatro bases nitrogenadas que formam sua composição química: adenina, timina, citosina e guanina, ATCG. No genoma humano, existem 3 bilhões de pares de base, ou de letras”. Essa biblioteca, continua o médico, é organizada em livros, que seriam os genes. “Nosso genoma tem 20 mil genes”, informa o geneticista.
Os testes de ancestralidade pegam algumas letras dessa biblioteca gigante, determinados pontos do material genético chamados polimorfismos de base única (SNPs, na sigla em inglês), que são específicos de uma população. Então, na comparação, avaliam se o perfil genético da pessoa tem mais bases nitrogenadas da região mediterrânea, por exemplo, revelando antepassados de Portugal ou Espanha, ou se ela tem traços comuns com povos da costa oeste da África. “Os testes comerciais conseguem dar essa estimativa. Quanto mais análises são feitas, mais aumenta a acurácia, porque os resultados vão alimentando a base de dados”, explica Osvaldo Artigalás.
E quando os kits são usados para checar predisposição a doenças?
Mesmo no âmbito dos testes recreativos, há ofertas de pacotes ampliados que apontariam o risco de a pessoa vir a ter determinadas doenças. Nesses casos, Artigalás, que é coordenador do Comitê Científico de Genômica e Testes Genéticos da Sociedade Brasileira de Genética Médica, recomenda cautela. “Algumas das variações genéticas são apontadas como mais frequentes em pessoas hipertensas, com diabetes e assim por diante. Então o indivíduo que realizou o teste teria tendência a ter pressão alta, dislipidemia. Só que o nível de evidência científica é frágil, às vezes baseada em estudos pequenos, preliminares”, argumenta.
De todo modo, vale reforçar, seja qual for o resultado, esses testes genéticos não fornecem diagnóstico, até porque muitas das doenças investigadas têm origem na combinação de diferentes fatores, sendo a genética apenas um deles.
E mais: se por um lado os resultados dos testes podem causar ansiedade desnecessária por apontar alterações que representam risco aumentado para doenças como câncer, eles são capazes também de gerar o efeito contrário, provocando alívio e atrasando rastreamentos. “O laudo pode vir negativo para determinada mutação, mas, como a análise foi pontual, restrita, o perigo é dar uma falsa impressão de segurança, quando na verdade não foi feito o exame completo e direcionado para esse tipo de investigação”, ressalta o médico.
Na dúvida, qual a maneira de checar os riscos hereditários?
A maneira mais segura de investigar a possibilidade de doenças herdadas é buscar orientação médica, com exames realizados em laboratórios especializados. “A lógica para a indicação de testes genéticos é a mesma utilizada para exames médicos em geral, levando em conta o histórico familiar da doença, as dúvidas, as queixas clínicas”, diz Osvaldo Artigalás. Se uma mulher tem uma irmã com diagnóstico de câncer de mama que já fez o teste e identificou uma alteração relacionada à doença, ela tem 50% de chance de ter a mesma mutação. “Pelo gene alterado, é possível estimar qual o tamanho desse risco, se é muito elevado, se é moderado. Esse tipo de informação norteia o protocolo de acompanhamento, se vai ser semestral, anual, se é preciso considerar a possibilidade de uma cirurgia profilática”, explica.
“Além disso, não necessariamente aquele gene traz o risco apenas para câncer de mama. Eventualmente ele aponta também a probabilidade de tumor em algum outro órgão, como pâncreas, sem que ainda tenha tido alguma ocorrência na família. Isso pode determinar a necessidade de fazer seguimento mais constante, como uma ressonância de pâncreas uma vez por ano”, destaca.
A Oncologia, por sinal, é uma das especialidades médicas em que os testes genéticos são amplamente utilizados. A estratégia tem impacto também em áreas como Cardiologia, Neurologia e Nefrologia. “Cardiopatias, arritmias cardíacas, doença renal crônica, epilepsia são condições que apresentam causas genéticas hereditárias identificáveis, e a testagem pode beneficiar a família, auxiliando a definir condutas de rastreamento e prevenção”, observa o expert.
O médico geneticista tem papel crucial nesse contexto, orientando e ajudando a decidir inclusive se vale a pena realizar o teste, sobretudo em casos de doenças para as quais não existem formas de prevenção ou tratamento, a exemplo do Alzheimer. “Nesses casos, em que ainda não tem como mudar o desfecho de uma doença neurodegenerativa que pode ou não acontecer, o desejo do paciente deve prevalecer na decisão de fazer ou não o exame”, ressalta Osvaldo Artigalás. “No processo de aconselhamento genético, o médico apresenta os cenários, as possibilidades, os riscos. É importante não direcionar nem para um lado, nem para o outro. E, se a conclusão for a de que o melhor é se submeter ao teste, indicar o exame mais adequado e fazer a interpretação correta dos resultados”, conclui.
15 de julho de 2025
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