Olhar da Saúde 2025-Thumbs-Uma inteligência artificial mais empática

Uma inteligência artificial mais empática do que muitos médicos?!

Testes iniciais com uma plataforma que usa essa tecnologia para atender pacientes traz resultados surpreendentes

Você já imaginou ser atendido por uma plataforma de inteligência artificial (IA) que conversa com você, faz perguntas detalhadas sobre seus sintomas e, ao final, propõe diagnósticos e condutas com precisão comparável — ou até superior — à de médicos experientes? Essa ideia, que parece ter saído de um filme futurista, está começando a ser testada com uma tecnologia chamada AMIE — sigla para Articulate Medical Intelligence Explorer. 

O AMIE foi desenvolvido por cientistas do Google Research e da DeepMind e interage por meio de mensagens de texto (como o ChatGPT, por assim dizer). Porém, ele foi treinado para realizar diálogos clínicos simulando o que acontece nas consultas médicas: a escuta atenta, o levantamento da história do paciente, a formulação de hipóteses diagnósticas e até a proposta de tratamento e orientações com empatia e clareza. 

Um robô… mais humano?!

Uma das maiores queixas dos pacientes não é a falta de exames ou tratamentos, mas, sim, a sensação de não serem ouvidos pelos médicos. Consultas apressadas, respostas evasivas e pouco acolhimento emocional são relatos comuns. E se uma inteligência artificial pudesse mudar esse cenário, não apenas entendendo os sintomas, mas também escutando com empatia real e profunda?

Em um estudo publicado na revista Nature, médicos de atenção primária de três países (Canadá, Reino Unido e Índia) foram comparados com o AMIE em 159 casos clínicos simulados, por meio de conversas em texto com atores que interpretavam pacientes. Ao final das consultas, tanto esses “pacientes” quanto médicos especialistas avaliaram a qualidade dos atendimentos.

Em 25 dos 26 critérios de comunicação e empatia analisados, o AMIE foi mais bem avaliado do que os médicos humanos. Isso incluía aspectos como:

  • Saber escutar com atenção
  • Demonstrar interesse genuíno
  • Explicar com clareza
  • Tratar o paciente como uma pessoa, e não um número
  • Gerar confiança e sensação de acolhimento

Os avaliadores destacaram que as respostas do AMIE eram mais completas, respeitosas e estruturadas, transmitindo mais tempo dedicado e cuidado.

Como isso é possível?

O segredo está na forma como essa inteligência artificial foi treinada. Diferente de robôs comuns, o AMIE passou por um processo de aprendizado chamado self-play — ele mesmo se colocava no lugar de médico e paciente em simulações, aprendendo a cada diálogo. E recebia avaliações automáticas que ajudavam a melhorar seu desempenho não só em diagnóstico, como também em aspectos humanos da comunicação.

Além disso, o AMIE se vale de uma técnica batizada de “cadeia de raciocínio”, que o faz pensar passo a passo, como faria um médico experiente. Isso o ajuda a ser mais cuidadoso ao conversar, formular hipóteses e oferecer explicações.

A empatia não foi o único ponto forte da IA. O AMIE também apresentou desempenho superior em diagnóstico diferencial, ou seja, na capacidade de listar as causas possíveis para os sintomas relatados. Em 30 de 32 critérios clínicos analisados, ele superou os médicos participantes.

Isso não quer dizer que ele vá substituir o médico, entretanto mostra o potencial da tecnologia para complementar o trabalho humano, trazendo mais precisão e qualidade ao atendimento, ao menos na atenção primária.

Limitações importantes

É preciso lembrar que o estudo foi feito em ambiente controlado, com pacientes simulados e por meio de mensagens de texto. Esse formato pode ter favorecido a IA, que é moldada para diálogos textuais, e comprometido o desempenho dos médicos, mais habituados a consultas presenciais ou por vídeo.

Além disso, o AMIE opera atualmente em inglês e não foi testado em situações da vida real, com todas as complexidades, emoções e imprevistos que envolvem uma consulta de verdade. Estamos, portanto, só no começo dessa história. 

O que esperar do futuro

Apesar das limitações, o estudo abre portas para repensarmos como queremos ser cuidados. Em um mundo onde o tempo dos profissionais é cada vez mais escasso, contar com ferramentas que tragam escuta, empatia e clareza pode representar um divisor de águas.

A IA não precisa substituir o médico — mas pode ser uma aliada preciosa para tornar a medicina mais humana, paradoxalmente, por meio da tecnologia.

Por Carlos Eduardo Barra Couri,

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Carlos Eduardo Barra Couri

Médico endocrinologista e curador do Portal Olhar da Saúde.

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