Olhar da Saúde 2025-Thumbs-Hemodiálise ou diálise

Hemodiálise ou diálise peritoneal?

Os dois procedimentos têm como finalidade fazer a filtração do sangue quando os rins não funcionam adequadamente. Qual o melhor método para quem tem doença renal crônica?

A Sociedade Brasileira de Nefrologia (SBN), no tópico em seu site intitulado “Compreendendo os rins”, enfatiza: nossa sobrevivência depende do funcionamento normal desses órgãos. E a entidade justifica listando as funções da dupla: eliminar toxinas do sangue por meio de filtração, regular a formação de sangue e ossos, controlar a pressão sanguínea e zelar pelo balanço de minerais e líquidos no corpo. 

Quando os rins já não dão conta dessas incumbências, a saída é lançar mão das terapias de suporte renal. “Esses procedimentos não tratam a doença. Eles fazem o papel do rim quando este não está funcionando. É como a ventilação mecânica, que respira pelo paciente quando os pulmões perderam essa capacidade”, compara o nefrologista Guilherme P. Santa Catharina, coordenador do programa de pós-graduação em Nefrointensivismo do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. “São três modalidades. A hemodiálise, a diálise peritoneal e o transplante renal”, explica o médico. “No caso do transplante, o rim novo faz o papel do órgão primitivo”, completa.

Hipertensão e diabetes, duas condições muito prevalentes no Brasil, estão entre as principais causas do comprometimento dos órgãos responsáveis pela filtração do sangue, levando ao desenvolvimento da doença renal crônica e à necessidade de recorrer às terapias de suporte. “Há ainda os quadros de injúria renal aguda, quando os rins param de funcionar momentaneamente, em razão, por exemplo, de uma grande cirurgia, uma infecção grave, um trauma, uma obstrução urinária causada por uma pedra. Nesses casos, na maioria das vezes, a situação é reversível, mas, enquanto se recupera, o indivíduo pode precisar de hemodiálise ou diálise peritoneal”, esclarece o nefrologista.  

As terapias substitutivas

No Brasil, de acordo com o censo da SBN, estima-se que mais de 150 mil pessoas dependam de suporte renal, a maioria utilizando a hemodiálise. Mas qual a diferença entre esse método e a diálise peritoneal?

“Ambas as terapias se baseiam em filtrar as impurezas do organismo. O que muda de uma para a outra é o modo como se cumpre essa função”, responde Guilherme Santa Catharina. “Na hemodiálise, o sangue é puxado por um acesso vascular, que pode ser um cateter instalado numa veia calibrosa, em geral nas jugulares, no pescoço, mas também nas femorais, na perna”, descreve. O processo pode ser realizado ainda através de uma fístula arteriovenosa: por meio de uma pequena cirurgia, é feita uma ligação entre uma artéria e uma veia no braço. Como a artéria tem fluxo sanguíneo maior, esse processo engrossa a veia, tornando-a mais espessa para que possa ser puncionada sem a necessidade do cateter.

Ligado a uma máquina, por esse acesso – seja cateter, seja fístula – saem cerca de 300 mililitros de sangue por minuto, passando em seguida pelos capilares, ou dialisadores, dispositivos semipermeáveis que fazem a filtração. “É como se o sangue fosse lavado para voltar limpo ao corpo. Na indicação clássica, a hemodiálise dura em média quatro horas e o paciente precisa de três sessões por semana”, diz o nefrologista, que é também gerente médico da DaVita Tratamento Renal.

Não é difícil imaginar o impacto no dia a dia de quem depende da hemodiálise, com o vai e volta a centros especializados, as muitas horas ligado a uma máquina e a dificuldade em conciliar as demais atividades com as sessões. Programar uma viagem, por exemplo, é até possível, agendando a chamada diálise em trânsito. Mas para isso é preciso que o local de destino conte com clínicas e hospitais habilitados. Se a pessoa depende do Sistema Único de Saúde (SUS), os trâmites exigem ainda mais antecedência na solicitação para enfrentar a burocracia exigida.

Na diálise peritoneal, por sua vez, todo o processo é realizado em casa, após um procedimento cirúrgico para implantação de um cateter no abdômen e o treinamento do paciente, familiar ou cuidador para injetar e drenar o líquido da diálise. 

Esse método, como o nome antecipa, envolve o peritônio, a camada que reveste o interior do abdômen. “Nesse caso, o peritônio faz as vezes do dialisador”, observa Guilherme Santa Catharina. 

Existem duas formas de realizar a diálise peritoneal. Na manual, o próprio paciente conecta a bolsa com o líquido no cateter para que seja feita a transferência da solução para a cavidade abdominal. O produto fica agindo por algumas horas e depois é coletado para uma bolsa de drenagem. O processo se repete ao longo do dia, de acordo com a prescrição médica – em geral, são realizadas quatro trocas no período. 

“Na diálise automatizada, a infusão e a drenagem são feitas por uma pequena máquina. A pessoa aciona para injetar o líquido à noite, antes de dormir, e as trocas ocorrem automaticamente”, diz o médico. “Esse método dá mais independência, porque não precisa ir à clínica, a não ser para o implante do cateter, receber o treinamento e passar por consultas para saber se a prescrição precisa ser ajustada”, complementa.

A alternativa domiciliar, entretanto, é utilizada por menos de 4% de quem depende de suporte renal. Uma das razões pode ser a falta de conhecimento sobre o método, causando insegurança em realizá-lo sem a presença de um profissional de saúde. O baixo repasse de recursos feito pelo Ministério da Saúde para os serviços especializados para esse tipo de procedimento é outra barreira apontada pela Federação Nacional das Associações de Pacientes Renais (Fenapar), que em 2024 lançou a campanha “Direito à diálise peritoneal domiciliar”, a fim de estimular a criação de políticas públicas capazes de ampliar o acesso a essa terapia.

“Tanto a hemodiálise quanto a diálise peritoneal são eficazes no manejo da doença renal crônica, com contraindicações específicas de cada uma, de acordo com avaliação médica”, ressalta Guilherme Santa Catharina. “A diálise peritoneal não é indicada para quem passou por cirurgia abdominal, porque cicatrizes na região dificultam sua realização. Da mesma forma, a presença de hérnias ou tumores ou mesmo de colostomia podem ser impeditivos”, argumenta. 

As condições ambientais do domicílio também precisam ser levadas em conta, para evitar contaminação e propiciar boas condições de armazenamento das bolsas com o banho de diálise. “Por outro lado, o risco cardiovascular costuma ser menor na diálise peritoneal do que na hemodiálise”, compara Guilherme Santa Catharina, que atua ainda como médico assistente do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (InCor/HC-FMUSP).

Em outras palavras, a escolha entre os métodos de suporte renal deve ser individualizada. Depende do estado geral de saúde, do estilo de vida e da preferência do indivíduo – além, é claro, do parecer do nefrologista. Para a tomada de decisão, é importante que o paciente tenha conhecimento das alternativas e possa discutir com o especialista os prós e os contras de cada uma, sempre com foco nos melhores desfechos e na busca de mais qualidade de vida diante de uma rotina tão desafiadora.

Por Goretti Tenorio,

Olhar da Saúde-Goretti Tenorio

Goretti Tenorio

Jornalista pela ECA-USP, desde 2010 escreve sobre saúde para diferentes veículos.

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