Avanços na dermatite atópica: da ciência à inclusão de terapias no SUS
Essa doença inflamatória crônica impacta fortemente a qualidade de vida, mas a ampliação do acesso a novos tratamentos traz esperança de alívio para casos mais graves
Manchas vermelhas, coceira intensa, pele seca e irritada – as manifestações características da dermatite atópica interferem na rotina e têm potencial para promover desgaste emocional em quem convive com a doença. “O impacto vai depender da gravidade do quadro, mas em todos os casos há necessidade de cuidados diários com a pele e para evitar fatores irritantes, o que exige tempo, dedicação e um custo financeiro inviável para grande parte da população”, observa a médica imunologista Dayanne Bruscky, coordenadora do ambulatório de Dermatoses Alérgicas do serviço de Alergia e Imunologia Clínica do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).
Além disso, o prurido constante atrapalha o sono, os estudos, o trabalho e as atividades sociais. “Em reuniões de grupo de apoio, já ouvimos de pacientes com dermatite atópica grave que toda a programação do dia é pensada para evitar desencadeantes de crises, como a escolha da roupa e dos locais que se vai frequentar”, relata a especialista.
Isso sem contar a desinformação e o preconceito em torno da doença, como a crença infundada de que as lesões são contagiosas, o que provoca bullying e o isolamento social da pessoa.
“A dermatite atópica na maior parte das vezes se inicia na infância, com 60% dos casos surgindo no primeiro ano de vida e 85% em até 5 anos de idade”, informa Dayanne, que integra o Departamento Científico de Dermatite Atópica da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai). A médica lembra, entretanto, que a condição acomete também adolescentes, adultos e idosos e, mesmo que seja mais raro, pode dar os primeiros sinais em uma dessas fases da vida.
Considerada uma doença multifatorial, a ciência ainda investiga as causas da dermatite atópica. “Ela é decorrente de uma complexa interação entre predisposição herdada geneticamente, modificações da barreira da pele, alterações imunológicas, desequilíbrio do microbioma da pele e fatores ambientais”, enumera a imunologista.
Entre os gatilhos para sua exacerbação, os mais comuns são clima seco, calor excessivo e suor, infecção bacteriana ou viral na pele, estresse, contato com alérgenos ou irritantes, a exemplo de sabonetes, produtos de limpeza, tecidos ásperos…
Quando não controlada, a doença pode predispor a infecção cutânea mais grave, além de impacto na saúde mental, com aumento de ansiedade e depressão. “Pesquisas recentes investigam a relação da dermatite atópica com doenças cardiovasculares e metabólicas, mas ainda não apresentam dados consistentes nesse sentido”, diz a expert.
Avanços no tratamento mudam a história da doença
De acordo com Dayanne Bruscky, o manejo da dermatite atópica deve ser individualizado, levando em conta os diferentes fatores envolvidos. “E participar de programas educacionais sobre a condição auxilia na compreensão e na adesão ao tratamento”, orienta.
De todo modo, seja qual for a gravidade, a atenção com a pele é fundamental, exigindo hidratação frequente com produtos específicos. Em casos leves, o controle é feito com aplicação de cremes e pomadas de ação anti-inflamatória, como corticoides.
Para os quadros moderados ou graves persistentes, além dos cuidados tópicos e de acompanhamento psicológico, é preciso lançar mão de medicamentos sistêmicos. “O entendimento atual sobre a forma como a doença se desenvolve trouxe muitos avanços, com o desenvolvimento de medicações imunomoduladoras que agem em etapas específicas e permitem o controle da inflamação”, esclarece Dayanne. Nessa linha terapêutica, continua a expert, já estão aprovados para uso no Brasil os medicamentos biológicos injetáveis dupilumabe e lebriquizumabe, além das pequenas moléculas, a exemplo de abrocitinibe, baricitinibe e upadacitinibe, de uso oral.
Essas medicações são indicadas nos casos de doença grave e refratárias ao tratamento convencional. “O aumento das opções facilita bastante o manejo da doença e a melhora da qualidade de vida”, ressalta. “Mas cada paciente precisa ser avaliado de forma individual, e as medidas de cuidado com a pele, o acompanhamento psicológico e a adoção de estilo de vida saudável continuam sendo fundamentais”, reforça.
Recentemente foi anunciada a incorporação no Sistema Único de Saúde (SUS) de novos fármacos para dermatite atópica. O que isso representa em termos de plano terapêutico?
“É uma mudança significativa. Durante muitos anos os pacientes com dermatite atópica não tinham acesso a medicamentos efetivos para o controle da doença, nem mesmo para as formas graves. Em 2023, com efetivação em 2024, foi incorporada a ciclosporina, medicação imunossupressora oral. Mas não havia disponível no SUS opções de tratamento tópico, com custo inacessível a muitos brasileiros”, analisa Dayanne. “A incorporação dos anti-inflamatórios tópicos tacrolimo e furoato de mometasona, além de outro imunossupressor, o metotrexato, amplia o arsenal terapêutico e, consequentemente, a possibilidade de conter a inflamação”, completa.
De acordo com nota do Ministério da Saúde, a pomada tacrolimo poderá tratar quem não pode utilizar corticoides, enquanto a furoato de mometasona é para quem apresenta resistência aos tratamentos até então disponíveis. Já o metotrexato, remédio oral, será administrado para formas graves, principalmente para casos em que a ciclosporina é contraindicada.
Há perspectiva de cura da dermatite atópica?
“A ciência tem avançado bastante e o controle sustentado da inflamação e prevenção das crises já é realidade com as opções de tratamento atual. Pelo caráter multifatorial e com envolvimento de fatores genéticos, contudo, ainda esperamos um melhor entendimento na fisiopatologia da dermatite atópica para modificarmos a inflamação crônica de forma mais definitiva.”
Tem como prevenir?
“Quando falamos em prevenção, precisamos diferenciar a primária, que pressupõe impedir o surgimento, e a secundária, ou seja, aquela capaz de evitar exacerbações da doença já estabelecida. Ainda não temos medidas consensuais para prevenção de dermatite atópica, mas, para pessoas com predisposição genética para condições alérgicas, vale buscar um estilo de vida saudável, com alimentação adequada, incluindo aleitamento materno para os bebês e baixo consumo de ultraprocessados em todas as idades, exercício físico e brincadeiras ao ar livre, sono reparador, entre outros. Já as crises da dermatite atópica podem ser prevenidas com cuidados diários com a pele e tratamento adequado. É fundamental, ainda, a identificação de fatores irritantes, como os alérgenos, estresse e infecção, a fim de minimizá-los. Por fim, é importante ressaltar: a dermatite atópica é uma doença crônica, mas que tem manejo. Por isso é preciso desmistificar equívocos como o de que se trata de uma alergia de pele passageira, que só acomete crianças, ou que há uma solução simples e mágica para ela. Existe, sim, o melhor tratamento para cada pessoa alcançar o controle de forma segura. Informação de qualidade é o primeiro passo para quebrar preconceitos e garantir que se busque ajuda no momento certo.”
26 de junho de 2025
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