Olhar da Saúde 2025-Thumbs-Obesidade no Brasil

Obesidade no Brasil: medicamentos avançam,
mas continuam fora do SUS

Enquanto novas drogas transformam o tratamento da obesidade no setor privado, pacientes do sistema público ainda enfrentam um vácuo terapêutico. Ministério da Saúde foca em prevenção e avalia a inclusão de medicamentos

A obesidade é uma doença crônica, multifatorial e crescente em todo o mundo, inclusive no Brasil. Nos últimos anos, os avanços no tratamento medicamentoso trouxeram esperança para pacientes e profissionais de saúde, com drogas cada vez mais eficazes no controle do peso. No entanto, essa revolução farmacológica ainda é restrita a quem pode pagar. Nenhum dos medicamentos aprovados para o tratamento da obesidade está disponível atualmente no Sistema Único de Saúde (SUS).

“Do ponto de vista técnico, estamos muito bem contemplados. O arsenal terapêutico nunca foi tão avançado. O grande problema é o acesso”, afirma o médico endocrinologista Fábio Moura, diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM). O alto custo dos medicamentos e a ausência de políticas públicas que os incorporem ao SUS criam um abismo entre a inovação e o cuidado com a saúde da população.

Medicamentos disponíveis no Brasil

Hoje, estão aprovados no país para o tratamento da obesidade a tirzepatida, a semaglutida e a liraglutida, que atuam em receptores de GLP-1 (glucagon-like peptide-1, ou peptídeo semelhante ao glucagon-1 em português), a combinação de bupropiona com naltrexona, a sibutramina e o orlistate. 

A eficácia e a segurança de cada uma dessas opções variam, assim como o perfil de cada paciente. As drogas mais modernas são também as mais eficazes, mas são inacessíveis para a maior parte da população. E, vale reforçar, não há nenhuma delas no SUS.

Além do custo elevado, há a questão do uso prolongado. Diferentemente do que muitos pensam, o tratamento da obesidade, como outras doenças crônicas, a exemplo da hipertensão e do diabetes, exige continuidade ao longo da vida. “A palavra não é dependência. É tratamento contínuo. A obesidade também exige tratamento contínuo e, em muitos casos, possivelmente na maioria, vai ser necessário tratar pelo resto da vida”, explica Moura.

Frustração e impotência

Enquanto outras doenças crônicas contam com diversas medicações na rede pública, o tratamento da obesidade segue limitado a orientação para mudança de estilo de vida, como alimentação equilibrada e prática de atividade física, e, nos casos mais graves, à cirurgia bariátrica. 

Esse cenário atual está longe de atender às necessidades clínicas da maior parte dos pacientes, pois, segundo o endocrinologista, “a maioria absoluta das pessoas com obesidade vai precisar de tratamento farmacológico. Não precisar é a exceção.”

Apesar de haver evidências científicas que comprovam os benefícios das novas terapias farmacológicas no controle da obesidade e na prevenção de doenças associadas, como diabetes tipo 2, hipertensão e doenças cardiovasculares, a ausência de medicamentos antiobesidade no SUS frustra pacientes e também profissionais de saúde.

“É como jogar alguém em uma piscina com os braços amarrados ou mandar dirigir um carro de olhos vendados. É essa sensação que temos quando tentamos tratar obesidade no SUS sem acesso a medicamentos. Dá uma impotência enorme”, resume o diretor da SBEM.

O que diz o Ministério da Saúde

Procurado pela reportagem, o Ministério da Saúde reconhece que a obesidade é considerada um fator de risco para diversas doenças crônicas, como diabetes, hipertensão, doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer, e disse que, “para enfrentá-la, o governo federal coordena o Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas e Agravos Não Transmissíveis (Plano de DANT) 2021–2030, com foco na prevenção e na contenção do avanço da obesidade na população”.

De acordo com a nota enviada ao Olhar da Saúde, a principal porta de entrada para o cuidado no SUS são as Unidades Básicas de Saúde (UBSs), que contam com equipes multiprofissionais, incluindo nutricionistas, psicólogos e educadores físicos. Entre as ações destacadas estão o Guia Alimentar para a População Brasileira, o Guia de Atividade Física, o Programa Academia da Saúde e o Programa Saúde na Escola, todos voltados à promoção de hábitos saudáveis desde a infância. Na Atenção Especializada, o SUS também oferece acompanhamento ambulatorial e cirurgia bariátrica em casos indicados.

No entanto, a nota não explica por que até o momento nenhum medicamento para tratamento da obesidade foi incorporado ao SUS. Mas informa que os medicamentos Wegovy (semaglutida) e Saxenda (liraglutida) estão em análise pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) no SUS, “que considera critérios como eficácia, efetividade, segurança, custo-benefício e impacto orçamentário, além da existência de alternativas terapêuticas disponíveis no sistema”. Ainda segundo a nota, “ambas as tecnologias já passaram por consulta pública e estão sob avaliação técnica”.

Para o diretor da SBEM, “se ao menos a liraglutida entrasse no SUS, já seria um começo”. “Nenhum gestor vai conseguir oferecer para toda a população, mas pelo menos para um subgrupo de maior risco já faria uma enorme diferença”, disse Moura.

Várias frentes de batalha: o tratamento começa na prevenção

A discussão é sobre custo-efetividade, e a Conitec está fazendo as contas, mas é importante ressaltar que a saúde das pessoas com obesidade tem pressa. Por outro lado, o tratamento da obesidade como prioridade nacional exige mais do que remédios.

“Essa é só uma das frentes de batalha. Também precisamos reduzir impostos sobre frutas e verduras, aumentar a taxação dos ultraprocessados, estimular a alimentação saudável nas escolas e promover a atividade física desde cedo. Só com ações em todas essas áreas conseguiremos virar esse jogo”, conclui Fábio Moura.

Por Letícia Martins,

Olhar da Saúde-Leticia Martins

Letícia Martins

Jornalista com foco em saúde, escritora, fundadora da Momento Saúde Editora e da revista Momento Diabetes.

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