Antes de existir a expressão “fake news”, as estatinas já sofriam com a desinformação
Medicamentos fundamentais para tratamento de colesterol sofrem até hoje com informações distorcidas
Em meio a tantas epidemias, um tipo de doença continua sendo a principal causa de morte no Brasil e no mundo. Não, não é um vírus ou bactéria: são as doenças cardiovasculares.
O infarto do coração e o acidente vascular cerebral (AVC) são os principais exemplos e estão usualmente no topo das listas de mortalidade no Brasil. Mas o que eles têm em comum? Em ambas as situações, ocorre o entupimento de uma artéria importante, o que impede o fluxo sanguíneo.
Esse entupimento apresenta um pouco de placa de gordura, associado a um processo inflamatório na parede do vaso sanguíneo e um coágulo de sangue. O excesso de colesterol ruim no sangue (o chamado LDL) acumula placas em diversos pontos das artérias do organismo ao longo dos anos.
Por isso, mesmo pequenas elevações no colesterol são consideradas fatores de risco para infarto do coração e derrame cerebral. Aí entram as estatinas.
Essas medicações foram lançadas no final dos anos 1980 justamente para reduzir o colesterol. Grandes estudos mostraram os benefícios cardiovasculares dos diferentes tipos de estatinas – das menos eficazes, como a sinvastatina, até as mais eficazes, como a rosuvastatina em altas doses.
Ao longo do tempo, as estatinas foram alvo de diferentes “fake news”, como a de que promoveriam demência, déficit de hormônios esteroides, câncer, hemorragia cerebral, depressão, fadiga… Até hoje encontramos pessoas nas redes sociais ressuscitando esse tipo de má informação.
Então, atenção: estatinas não aumentam o risco dessas complicações!
Qualquer remédio pode trazer efeitos adversos. Talvez o mais conhecido das estatinas seja a dor muscular.
Mas isso deve ser colocado em perspectiva. Primeiro que não são todas as pessoas que sofrerão com esse incômodo – pelo contrário. Segundo que todo efeito colateral deve ser analisado frente ao benefício da medicação.
Uma vez, ao prescrever uma estatina, fui indagado pelo meu paciente se esse “era aquele medicamento que provoca dor muscular”. A minha resposta: “Não. Esse é o que reduz morte, infarto e derrame”.
Existem alguns fatores de risco para dores induzidas pelas estatinas, sendo os principais:
- Idade avançada
- Presença de insuficiência renal
- Origem asiática
- Presença de hipotireoidismo
- Necessidade de doses altas de estatinas.
No mais, mesmo quando essa reação dá as caras, em geral ela é leve e de duração transitória, com a dor localizada em ombros, braços, quadril e coxas, quando ocorre movimentação.
Como muitas pessoas falam de dores musculares, inclusive na sala de espera, preciso trazer aqui um conceito que muitos não conhecem: o de efeito nocebo. De tanto as pessoas divulgarem a relação entre estatinas e dores musculares, acaba acontecendo uma espécie de indução à dor.
Em outras palavras: a pessoa realmente sente o desconforto, porém de forma projetada. De tanto temer a dor, ela acontece de fato – é um efeito placebo ao contrário.
Contudo, em pesquisas controladas, a incidência de dor muscular realmente provocada por estatinas é rara, como afirma a Associação Americana do Coração em um comunicado em 31 de janeiro de 2023.
Mas existem outras opções às estatinas em casos de colesterol elevado? Sim, felizmente.
Então, converse com seu médico e tire suas dúvidas. Somente com informação poderemos vencer uma das maiores doenças de hoje em dia: as fake news.
25 de março de 2024
,Carlos Eduardo Barra Couri
Médico endocrinologista e curador do Portal Olhar da Saúde.