Olhar da Saúde-Thumbs-Transtorno bipolar

Transtorno bipolar: vivendo entre altos e baixos

Alternância exagerada e recorrente de humor é a realidade de milhões de pessoas no mundo e uma condição ainda cercada de desconhecimento

O psiquiatra e pesquisador Adiel Ríos faz questão de ressaltar o perigo da banalização da palavra “bipolar”. “Ela é usada com frequência para descrever e julgar um colega de trabalho, um amigo ou qualquer pessoa com quem convivemos que apresenta oscilações, uma hora sorrindo e logo depois com a cara amarrada”, diz o médico. “O transtorno bipolar, porém, não é uma mera flutuação de humor a que todos estamos sujeitos. Usar o termo indiscriminadamente só contribui para estigma e preconceito em torno de questões de saúde mental”, ressalta. 

O distúrbio crônico é caracterizado por recorrentes e extremas alterações de humor e energia que afetam a capacidade funcional da pessoa. “Nos episódios de mania, o indivíduo demonstra euforia, felicidade intensa, agitação, irritabilidade, autoestima elevada, se sente grandioso, cheio de energia, pode dormir apenas uma hora e se sente disposto mesmo assim”, descreve Adiel Ríos, que é fellow em transtorno bipolar pelo Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP). Quando os sintomas acontecem em níveis mais moderados, o quadro é classificado como hipomania.  

Os períodos de depressão, na contramão, são marcados por apatia, desinteresse pelas atividades, fadiga, alterações no apetite, desânimo, lentidão da fala e dos pensamentos, diminuição da libido e da capacidade de sentir prazer. 

Complexo e desafiador tanto no que diz respeito a diagnóstico quanto a tratamento, o transtorno bipolar recebe duas classificações. No tipo 1, se alternam episódios de mania, em geral por cerca de uma semana, e de depressão, que pode se estender por 15 dias – intervalos que variam de caso a caso. As mudanças de comportamento costumam ser mais exuberantes e podem exigir hospitalização. O tipo 2 é marcado por períodos de hipomania e outros de depressão, estes com tendência a serem mais prolongados. 

Por que o diagnóstico demora

De acordo com Adiel Ríos, uma pessoa com transtorno bipolar em geral procura ajuda especializada no estágio depressivo. “Se o médico não fizer uma investigação retrógrada para conhecer o histórico, saber se a pessoa vivenciou também episódios de mania ou hipomania, acaba medicando equivocadamente, porque pode confundir com outras desregulações emocionais, como depressão, ou de neurodesenvolvimento, como TDAH [transtorno do déficit de atenção com hiperatividade]”, exemplifica. Isso sem contar a demora natural em buscar avaliação médica quando se trata de doenças psiquiátricas, ainda envoltas em desconhecimento, discriminação e prejulgamento. “O diagnóstico acaba demorando até mais de 15 anos”, relata o psiquiatra. 

O atraso dessa jornada é ainda mais preocupante porque o transtorno bipolar é associado a um risco aumentado de automutilações e pensamentos suicidas. “Há estudos mostrando que a morte por suicídio em indivíduos com essa condição é 30 vezes maior do que na população em geral”, destaca. 

O que fazer, então, para prevenir desfechos tão negativos? Quando é preciso ficar ainda mais atento aos sinais? “Estamos falando de um transtorno cujas causas são multifatoriais. Hoje se sabe que poluição, maus-tratos na infância e traumas, por exemplo, estão envolvidos”, explica Ríos. 

Alterações genéticas e herdabilidade precisam ser levadas em consideração nas avaliações. Ter um parente de primeiro grau diagnosticado deve servir de alerta. 

“As primeiras manifestações do transtorno bipolar aparecem ao redor dos 18 anos de idade. Mas isso não significa que não possam surgir em crianças e adolescentes”, diz o especialista. 

Repercussões físicas e estilo de vida

Além da mente, a condição impacta o corpo e favorece outras ameaças. Uma pesquisa publicada em 2017 no periódico World Psychiatry analisou quase uma centena de estudos e indicou que pacientes de distúrbios graves, entre eles o transtorno bipolar, assim como depressão e esquizofrenia, têm risco aumentado de quase 80% de desenvolver doenças cardiovasculares. 

“O transtorno bipolar tem uma característica imunoinflamatória que predispõe à resistência à insulina, aumentando a propensão a obesidade e diabetes”, comenta Adiel Ríos. “Isso significa que, embora a Psiquiatria avance a passos muito lentos no que diz respeito à prevenção de doenças mentais, quem tem histórico familiar dessas alterações de humor deve investir num estilo de vida saudável, com atividade física, boas noites de sono e alimentação equilibrada”, orienta. Nesses casos, é preciso ficar ainda mais cuidadoso em relação ao uso de drogas e bebidas alcoólicas, gatilhos importantes para as crises, de acordo com o médico. 

Vale também se programar para checar regularmente a quantas andam a dosagem de colesterol, os níveis de açúcar no sangue e a pressão arterial, entre outros exames.

O papel da psicoeducação

O transtorno bipolar não tem cura, e seu manejo é feito com medicamentos e psicoterapia. No âmbito farmacológico, o lítio é um dos estabilizadores de humor de primeira linha no tratamento, capaz de abrandar a recorrência das crises e atuar na prevenção de suicídios. 

“O acompanhamento é por toda a vida e envolve equipe com psiquiatra, psicólogo, assistente social, diferentes terapeutas”, lista Ríos. A família precisa ser envolvida e amparada, para entender e aprender a lidar com as dificuldades psicossociais do paciente, os altos e baixos do humor e eventuais comportamentos compulsivos, como gastos excessivos, compras sem limites e hipersexualidade.

Entidades como a ABRATA (Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos) são fundamentais nesse contexto, na medida em que ajudam a criar uma rede de apoio para todo o círculo de convivência de pacientes, promovendo a troca de experiências e compartilhando informações relevantes em prol da qualidade de vida dos envolvidos. 

Outro pilar do enfrentamento é a psicoeducação. “A estratégia envolve o gerenciamento de tudo o que diz respeito ao transtorno. Pacientes e familiares devem ser capacitados a perceber a iminência das crises, entender os comportamentos nos episódios de mania, hipomania ou depressão e que circunstâncias demandam intervenção médica imediata”, reforça Adiel Ríos. A psicoeducação abrange ainda a conscientização sobre a importância da adesão aos medicamentos prescritos, além do controle do estresse, qualidade do sono e de evitar gatilhos como álcool e drogas. 

Informação, comunicação, respeito e acolhimento podem não apenas agilizar diagnósticos em Psiquiatria, como favorecer a ampliação de momentos de estabilidade e mais qualidade de vida para pacientes e familiares. 

Não à toa, o tema é primordial na agenda da Organização Mundial da Saúde (OMS), que em 2022 publicou o Plano de Ação Integral de Saúde Mental 2013–2030, convocando governos e sociedade em geral a assumirem compromissos para transformar atitudes, ações e cuidados nesse setor.

Por Goretti Tenorio,

Olhar da Saúde-Goretti Tenorio
Goretti Tenorio

Jornalista pela ECA-USP e desde 2010 escreve sobre saúde para diferentes veículos.

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