Colesterol alto afeta memória e aumenta risco de demência
Controlar os níveis desde cedo pode proteger também o cérebro e reduzir as chances de Alzheimer e outras demências
O colesterol é considerado um dos principais fatores de risco para infarto e acidente vascular cerebral (AVC), uma vez que ele está diretamente ligado à formação de placas de gordura nas artérias. Quando essas placas se rompem, podem obstruir a circulação sanguínea e causar um evento cardiovascular grave. Mas estudos mostram que o LDL, conhecido como “colesterol ruim”, também compromete a memória e aumenta o risco de demências, incluindo o Alzheimer.
“Existe uma relação importante entre colesterol alto e memória, principalmente o LDL. Esse conhecimento é antigo, mas com comprovação científica recente, resultado de estudos populacionais e epidemiológicos robustos”, disse o neurologista Diogo Haddad, head do Centro Especializado em Neurologia do Hospital Alemão Oswaldo Cruz.
Um dos levantamentos mais relevantes, publicado na revista The Lancet em agosto de 2024, mostra que até 45% dos casos de demência poderiam ser prevenidos ou adiados se fossem controlados 14 fatores de risco ao longo da vida. O LDL aparece entre os mais importantes, elevando em 7% a probabilidade de desenvolver quadros demenciais. “Esse é um número considerável, principalmente porque não tínhamos essa evidência tão clara e nem vinda de um estudo tão grande”, destaca Haddad.
Como o colesterol afeta o cérebro
O impacto do colesterol alto não se restringe às grandes artérias, como a carótida. O perigo está nos pequenos vasos cerebrais, mais vulneráveis ao processo chamado microangiopatia cerebral.
A cardiologista Elaine dos Reis Coutinho, professora da PUC-Campinas e especialista da Sociedade Brasileira de Cardiologia, explica que, quando esses vasos ficam sobrecarregados de colesterol, podem ocorrer micro-AVCs, isto é, pequenas isquemias silenciosas que, acumuladas ao longo dos anos, acabam comprometendo o funcionamento do cérebro, especialmente na velhice.
“Esse colesterol em excesso gera alterações nos pequenos vasos do cérebro que, com o passar dos anos, ficam mais suscetíveis a inflamação e estresse oxidativo, favorecendo o surgimento de demências, como Alzheimer e demência vascular”, completa o neurologista Haddad.
Prevenção deve começar na juventude
Embora a idade seja um fator de risco imutável para a perda cognitiva, os especialistas reforçam que a prevenção precisa começar cedo, focando nos aspectos que dependem de nós. “Não conseguimos mudar a idade, mas o LDL alto é um fator totalmente modificável, e esse cuidado precisa acontecer na chamada midlife, entre os 18 e os 60 anos. É nesse período que conseguimos intervir de forma eficaz e reduzir o risco futuro de uma demência associada a esse fator”, orienta Haddad.
Elaine ressalta: “Quanto menos tempo ficarmos expostos ao colesterol alto, melhor para nossa saúde e nossa longevidade. Se há histórico familiar de colesterol elevado, infarto ou AVC, é fundamental colher exames o quanto antes, inclusive em crianças”.
Genética não é destino: estilo de vida faz diferença
Os níveis de colesterol LDL estão ligados principalmente a fatores genéticos e à produção natural do fígado. A alimentação rica em gorduras saturadas, como carnes vermelhas gordurosas e derivados de origem animal, influencia, mas representa apenas cerca de 15% do valor total de LDL no organismo.
“O colesterol ruim é, na maior parte das vezes, individual e genético, relacionado à produção do fígado. Já triglicérides elevados e HDL baixo têm forte ligação com o estilo de vida, principalmente consumo excessivo de carboidratos ultraprocessados, álcool, sedentarismo e diabetes”, esclarece Elaine.
Trazendo para a discussão a ciência da epigenética, temos uma boa notícia: o ambiente pode ativar ou silenciar predisposições genéticas. “Você pode até carregar um gene associado à demência, mas o que define se ele vai se manifestar é o estilo de vida. Se a pessoa melhora a qualidade de vida, pode ser que a doença nunca apareça”, orienta Haddad.
Ou seja, mesmo quem tem histórico familiar de Alzheimer ou outras demências pode reduzir significativamente os riscos de desenvolver essas condições ao cuidar do colesterol e adotar hábitos saudáveis.
Evidências que motivam médicos e pacientes
Essas descobertas trazem alívio e motivação. Se antes as recomendações pareciam genéricas, hoje há comprovação científica de que mudanças no estilo de vida reduzem de fato o risco de demência.
“Sempre falei com meus pacientes sobre a importância dos bons hábitos de vida, mas, com os dados desses estudos, consigo mostrar que essa mudança impacta diretamente a prevenção de doenças como Alzheimer. E isso transforma a forma como o paciente enxerga as orientações, especialmente quando ele tem histórico familiar de demência”, conclui Haddad.
Metas ideais para o colesterol
Os níveis de colesterol variam conforme o risco cardiovascular da pessoa. Quanto maior o risco, mais baixo deve estar o LDL.
- Colesterol total: abaixo de 190 mg/dL para pessoas acima de 18 anos;
- HDL (colesterol bom): acima de 40 mg/dL para pessoas acima de 18 anos;
- LDL (colesterol ruim):
- Até 130 mg/dL para indivíduos saudáveis, abaixo de 40 anos;
- Abaixo de 70 mg/dL para pacientes com diabetes, doença renal ou placas de gordura;
- Abaixo de 50 mg/dL para quem já sofreu infarto ou AVC.
“O ideal é manter o LDL próximo de 70 mg/dL, mesmo para pessoas saudáveis. Essa é a meta mais segura para evitar complicações cardiovasculares”, salienta a cardiologista da PUC-Campinas.
Estatinas: mitos e verdades
Um dos principais obstáculos no controle do colesterol é o receio com relação ao uso de estatinas. Muitas pessoas ainda acreditam que o medicamento pode causar perda de memória.
“Mas a verdade é exatamente o oposto. As estatinas protegem. O benefício é milhões de vezes maior do que o risco. O problema é que ainda postergamos muito o início do tratamento, muitas vezes por desconhecimento”, afirma Haddad.
“O desenvolvimento de demência não está ligado ao uso de estatinas, como se espalha em fake news. O problema é o colesterol alto, não o tratamento”, corrobora Elaine.
O que fazer para proteger coração e memória
Para aumentar as chances de uma vida longa e saudável, os especialistas recomendam:
- Adotar uma alimentação saudável e equilibrada;
- Reduzir o consumo de gorduras de origem animal e alimentos ultraprocessados;
- Evitar refrigerantes e álcool;
- Praticar, no mínimo, 150 minutos por semana de atividade física aeróbica em intensidade moderada, aquela que realmente provoca cansaço;
- Manter uma rotina de sono adequado;
- Abandonar o tabagismo;
- Realizar exames médicos regularmente.
“Colesterol alto não dá sintomas. Só descobrimos com exames. Quanto mais cedo cuidamos, maior é a chance de evitar complicações graves no futuro”, enfatiza a cardiologista Elaine Coutinho.
22 de agosto de 2025
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