É possível importar o Mounjaro? Se sim, qual o passo a passo para fazer isso de forma legal e segura?
Aprovado pela Anvisa, mas indisponível no Brasil, pacientes têm buscado alternativas para comprar o medicamento fora do país, mas é preciso ter, entre outros documentos, receita médica e tomar certos cuidados para não cair em golpes
Em setembro de 2023, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou um novo medicamento para tratar o diabetes tipo 2 que tem se mostrado um grande aliado também na perda de peso: a tirzepatida, conhecida pelo nome comercial Mounjaro. Porém, o fármaco ainda não está disponível legalmente para venda no país, o que despertou o interesse de muitas pessoas na importação do medicamento.
Nesse cenário, várias perguntas vêm à mente. A primeira delas é: importar Mounjaro para o Brasil é legal? A regulamentação nacional1 permite que pessoas físicas importem medicamentos para uso humano, próprio ou individual. Para tanto, é preciso ter receita médica e tomar alguns cuidados, sobre os quais falaremos a seguir. Antes, precisamos responder a mais algumas dúvidas.
O que faz esse medicamento ser tão almejado?
O endocrinologista André Vianna, diretor médico e pesquisador do Centro de Diabetes Curitiba e vice-presidente eleito da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), explica que a tirzepatida é um “medicamento inovador” que combina a ação de dois hormônios importantes no controle do metabolismo: o GLP-1 (peptídeo semelhante ao glucagon) e o GIP (polipeptídeo inibidor gástrico).
“Esses hormônios atuam no pâncreas, no sistema nervoso central e no trato gastrintestinal, promovendo melhora do controle glicêmico, aumento da saciedade, redução do apetite e perda de peso significativa. Além disso, os estudos clínicos mostraram que ele é eficaz na redução da hemoglobina glicada (HbA1c), com taxas de controle glicêmico superiores aos tratamentos tradicionais para diabetes tipo 2”, disse Vianna.
Mas não há outro medicamento no mercado nacional que ofereça o mesmo benefício do Mounjaro?
Por combinar duas ações hormonais (GLP-1 e GIP), o Mounjaro oferece benefícios adicionais em termos de perda de peso e controle glicêmico. “Outros medicamentos que atuam apenas no GLP-1, como a semaglutida, também são eficazes, mas podem não alcançar os mesmos resultados em alguns pacientes”, pontua Vianna.
Assim, a tirzepatida se apresenta como uma terapia promissora, contudo o médico faz um alerta sobre a compra desse medicamento fora do país: “A importação tem sido uma opção para pacientes que buscam acesso antecipado a essa nova tecnologia terapêutica, mas tal processo deve ser feito com cautela e orientação médica. Como é difícil para uma pessoa leiga diferenciar entre uma fonte confiável e outra não confiável, eu não recomendo a importação na maior parte dos casos.”
A preocupação faz sentido, tendo em vista os diversos anúncios de venda do medicamento sem prescrição médica na internet. Por isso, a endocrinologista Simone van de Sande Lee, diretora do Departamento de Obesidade da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), ressalta: “A importação do Mounjaro é legal, mas deve ser feita de acordo com a legislação brasileira e sempre com a indicação e o acompanhamento médicos”, afirma.
Ela aponta que a importação da tirzepatida tem um custo alto e que o paciente precisa colocar na ponta do lápis o investimento para não ter de interromper o tratamento de uma hora para outra por falta de dinheiro. Segundo ela, tanto o diabetes tipo 2 quanto a obesidade são doenças crônicas. Por isso, o tratamento precisa ser contínuo. “A doença crônica não desaparece quando o paciente perde peso. Então, se o tratamento for suspenso, a tendência é que haja o aumento do apetite e a diminuição da taxa metabólica, levando à recuperação do peso”, explica a médica da SBEM.
É possível comprar o Mounjaro em lojas brasileiras físicas ou online?
É possível, mas também é ilegal e arriscado. A importação por pessoas jurídicas e a comercialização no mercado brasileiro são proibidas, e a importação por pessoas físicas só deve ser feita com receita médica.
Portanto, se alguém ou alguma empresa está vendendo medicamento sem receita médica, desconfie. Além do risco de o seu medicamento ser apreendido na alfândega por falta de documentos2, há o perigo de comprar um produto falsificado.
“É fundamental garantir que o medicamento seja adquirido de fontes confiáveis para evitar riscos relacionados a produtos falsificados ou inadequados. Além disso, o paciente deve estar ciente de que os efeitos do medicamento precisam ser monitorados, e que a importação pode ser um processo caro e complexo”, ressalta Vianna.
Então, como importar o Mounjaro de forma legal e segura?
Um dos caminhos para adquirir o Mounjaro é viajar a um país onde o produto já esteja liberado e disponível para compra, trazendo-o na bagagem. No entanto, devido à natureza injetável e à necessidade de refrigeração do Mounjaro, tal opção pode comprometer a qualidade do medicamento, que precisa ser mantido a uma temperatura entre 2 °C e 8 °C.
“O Mounjaro exige controle rigoroso de temperatura; simplesmente colocá-lo na mala e trazer não é suficiente. A forma mais segura é importar o medicamento por meio de empresas regulamentadas para essa atividade”, alerta a endocrinologista Maria Edna de Melo, membro do Departamento de Obesidade e Síndrome Metabólica da SBD. E enfatiza: “Jamais compre esse medicamento de quem viajou para outro país, trouxe várias caixas e resolveu vendê-las. Não há como saber se o transporte foi adequado.”
Diante dessas dificuldades, muitos brasileiros têm buscado a ajuda de assessorias especializadas em importação. Tais empresas atuam como intermediárias entre o cliente (paciente) e fornecedores internacionais, que vendem medicamentos somente para pessoa jurídica (empresas).
“O papel da assessoria é conectar as duas pontas. Fazemos a intermediação da compra, incluindo a conversão de câmbio da moeda em real para a moeda local, pagamos o fornecedor e cuidamos de toda a parte logística”, disse Fagner Magalhães, diretor comercial da Acesso Medicamentos. “Em resumo, cuidamos de toda a burocracia para que o paciente receba o produto em casa com segurança para iniciar seu tratamento”, completa.
O processo de importação, segundo Magalhães, consiste nas seguintes etapas:
- O cliente fornece a documentação (veja a lista a seguir) necessária à importadora, que entra em contato com os fornecedores globais para fazer orçamento;
- Com o orçamento aprovado e o pagamento feito à importadora, esta realiza a compra diretamente com o fornecedor;
- A importadora envia o código de rastreio da encomenda para o cliente e monitora o transporte;
- A mercadoria é enviada para a residência do cliente, acompanhada de nota fiscal em seu nome;
- O processo leva de 25 a 30 dias corridos.
Para fazer a importação legal do Mounjaro, são necessários os seguintes documentos:
- Receita médica: duas vias originais, contendo o nome completo do paciente; o nome e a posologia (indicação da dose adequada) do medicamento, bem como o tempo de tratamento, a data, a assinatura e o carimbo do médico (com CRM);
- Relatório médico: também precisa ser em duas vias originais assinadas e carimbadas pelo mesmo médico que fez a receita, informando o diagnóstico e o Código Internacional de Doenças (CID);
- Documentos do paciente: RG ou certidão de nascimento, CPF e comprovante de residência.
Para tornar a importação mais segura, adote os seguintes cuidados prévios:
- Verifique se a importadora tem razão social e CNPJ ativos na Receita Federal e se exerce atividade compatível com o serviço mencionado;
- Avalie depoimentos de outros pacientes sobre o serviço da importadora, consultando sites de reclamação do consumidor, como o Reclame Aqui;
- Desconfie de preços de medicamentos muito baixos;
- Questione a importadora sobre os critérios de transporte do medicamento;
- Analise o contrato de prestação de serviços;
- Peça a documentação do produto, constando validade, lote e outras informações;
- Desista da compra se a empresa não solicitar receita médica.
Outras perguntas muito importantes sobre o Mounjaro
Em minha conversa com os especialistas, outros pontos pertinentes foram levantados e esclarecidos sobre a importação da tirzepatida. Confira:
- Quanto custa o tratamento com Mounjaro importado?
Mounjaro é um medicamento de injeção semanal para o tratamento do diabetes tipo 2. Ele é vendido em canetas de uso único e está disponível em seis diferentes doses: 2,5 mg, 5 mg, 7,5 mg, 10 mg, 12,5 mg e 15 mg. A dose inicial é de 2,5 mg por semana e o médico pode aumentá-la conforme as necessidades do paciente.
O preço do tratamento importado varia conforme o país de origem, a quantidade de canetas e o CEP (código de endereço postal) do destinatário. Em simulação feita com uma assessoria de importação, apuramos que o custo para importar o Mounjaro para um mês de tratamento, o equivalente a 1 caixa com quatro doses, sairia por cerca de R$ 5.500 ou R$ 28.500 para 6 caixas com total de 24 doses. Nesses valores constam todos os custos, entre eles o frete, encargos aduaneiros e serviço da importadora.
- Quanto será pago de imposto na importação do Mounjaro?
Nesse caso, não há cobrança de impostos, uma vez que, segundo a Anvisa, os medicamentos importados por pessoa física para uso humano, próprio e individual, até o limite de US$ 10.000, não são tributados3.
- É legal comprar o Mounjaro em consultórios ou clínicas médicas?
Não, a regulamentação brasileira proíbe a importação de Mounjaro para revenda. Somente pessoas físicas podem importar medicamentos para uso próprio. Portanto, nenhuma drogaria, farmácia, consultório ou clínica médica pode revender o medicamento no Brasil.
- Existe tirzepatida manipulada?
A empresa Eli Lilly do Brasil possui patente da tirzepatida que garante exclusividade de mercado por até dez anos. No entanto, há relatos de farmácias de manipulação oferecendo produtos à base de tirzepatida como se fossem medicamentos regulamentados. Mas a endocrinologista Simone afirma: “No Brasil, medicamentos manipulados de tirzepatida não são autorizados.”
Maria Edna alerta para os riscos associados à compra desses produtos: “Qual é a origem, a concentração e a segurança desse produto manipulado? Que garantias o paciente terá, já que a fiscalização sobre ele não está sendo feita devidamente?”, questiona a endocrinologista da SBD. Ela recomenda que “a tirzepatida não seja comprada de farmácias de manipulação ou empresas de importação que não sejam devidamente registradas e regulamentadas na Anvisa”.
- Quais os possíveis efeitos colaterais da tirzepatida?
Os efeitos colaterais mais comuns incluem sintomas gastrintestinais, geralmente leves a moderados, e tendem a diminuir com o tempo, à medida que o organismo se adapta ao medicamento. Exemplo:
- Náuseas;
- Vômitos;
- Diarreia;
- Constipação.
Reações mais raras incluem:
- Hipoglicemia (queda rápida da taxa de açúcar no sangue), especialmente em combinação com outros medicamentos.
- Alterações no trato digestivo, como refluxo.
- Quais são as contraindicações do uso do Mounjaro?
Mounjaro é indicado para o tratamento de diabetes tipo 2 e como auxiliar na perda de peso. Ele é contraindicado para pessoas com:
- Diabetes tipo 1;
- Idade inferior a 18 anos;
- Histórico pessoal ou familiar de câncer na tireoide;
- Pancreatite;
- Doença gastrintestinal grave, como gastroparesia;
- Retinopatia diabética avançada.
- Qual é o risco que pessoas sem diabetes tipo 2 correm se usá-lo?
O uso do Mounjaro em pessoas sem diabetes tipo 2, especialmente sem supervisão médica, pode trazer riscos significativos. Segundo o endocrinologista André Vianna, o medicamento pode causar hipoglicemia, perda de peso não saudável ou efeitos gastrintestinais desnecessários.
“Além disso, o uso indiscriminado pode mascarar ou criar desequilíbrios metabólicos em pessoas saudáveis. O Mounjaro é indicado exclusivamente para pessoas com diabetes tipo 2, e qualquer outro uso deve ser avaliado criteriosamente”, ressalta o médico.
- Qual a previsão de chegada do Mounjaro às farmácias brasileiras?
Os mais otimistas acreditam que o medicamento estará disponível nas farmácias brasileiras no primeiro semestre deste ano, mas a farmacêutica Eli Lilly do Brasil, fabricante do Mounjaro, informou ao Olhar da Saúde que não há previsão de quando o fármaco chegará ao mercado nacional.
De acordo com a empresa, o Mounjaro já foi aprovado e lançado em mais de 10 países. Sobre a importação do medicamento, ela declarou: “A Eli Lilly do Brasil não realiza ou tem participação em processos de importação de medicamentos por pessoas físicas ou importadoras e reforça a importância de que o tratamento com Mounjaro (tirzepatida) seja prescrito e acompanhado por um profissional de saúde”.
Conclusão
Se você leu até aqui, caro leitor, parabéns, pois significa que está preocupado em cuidar da sua saúde de forma segura e dentro da lei. Lembre-se que tanto a obesidade quanto o diabetes são doenças crônicas que requerem cuidados constantes e acompanhamento médico periódico. Jamais use medicamentos por conta própria e, se for importar a tirzepatida, faça-o com segurança e dentro das normas da Anvisa.
Referências
1 Como importar medicamentos. Receita Federal. Acesso em 29 de janeiro de 2025. Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/aduana-e-comercio-exterior/manuais/remessas-postal-e-expressa/como-importar-medicamentos
2 Receita Federal apreende 176 canetas de Mounjaro avaliadas em R$ 600 mil. Receita Federal. Acesso em 29 de janeiro de 2025. Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/noticias/2025/janeiro/receita-federal-apreende-176-canetas-de-mounjaro-avaliadas-em-r-600-mil
3 Não tributação. Receita Federal. Acesso em 29 de janeiro de 2025. Disponível em: https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/aduana-e-comercio-exterior/manuais/remessas-postal-e-expressa/topicos/nao-tributacao#medicamentos:~:text=accessibility%2Danchor-,MEDICAMENTOS,-IMPORTADOS%20POR%20PESSOA
4 de fevereiro de 2025
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