Olhar da Saúde 2025-Thumbs-Obesidade infantil

Obesidade infantil: 3 em cada 10 crianças sofre com a condição no Brasil

Mudanças importantes no estilo de vida e uso de medicamentos fazem parte do tratamento do excesso de peso em crianças, mas não são as únicas abordagens. Entenda

 

A obesidade infantil é uma preocupação crescente de saúde pública em todo o mundo. No Brasil, os índices vêm aumentando de forma alarmante. Segundo o Ministério da Saúde, três em cada dez crianças entre 5 e 9 anos estão acima do peso. A Organização Mundial da Saúde (OMS) projeta que, até 2025, 75 milhões de crianças em todo o mundo poderão ter obesidade.

Um dos maiores desafios no enfrentamento dessa doença complexa e multifatorial, é a conscientização das famílias. “Muitas vezes, os pais não reconhecem que a obesidade é uma doença que precisa de tratamento. Com isso, demoram a procurar ajuda especializada”, explica a endocrinologista pediátrica Louise Cominato, professora da disciplina de endocrinopediatria da Universidade de São Paulo (SP) e coordenadora do Departamento de Obesidade Infantil da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (ABESO). “Na infância, isso é ainda mais comum. Muitos pacientes já chegam com um quadro de obesidade grave”, ressalta a especialista e membro da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).

Mas o que é obesidade infantil?

A obesidade infantil é identificada quando o índice de massa corpórea (IMC) da criança está acima da média para a idade dela. E como a criança está em desenvolvimento, os valores de referência variam ao longo dos anos. “Assim como temos curvas de crescimento na pediatria, também existem curvas específicas para o IMC. Consideramos obesidade quando a criança está duas curvas acima do escore padrão, que representa a média da população”, esclarece Louise.

Para além de um índice fora do limite esperado, a obesidade infantil pode trazer complicações que antes eram comuns apenas em adultos, como hipertensão arterial, dislipidemia (níveis alterados de colesterol e triglicérides) e lipodistrofias, como o acúmulo de gordura no fígado.

Primeira linha de tratamento

Mudança de hábitos é fundamental para enfrentar a obesidade infantil. Um dos primeiros passos é quebrar o mito de que criança “fofinha ou gordinha” é sinônimo de saúde. Louise destaca que essa ideia atravessa gerações, mas não podemos deixá-la se perpetuar mais. “Muitos avós ainda associam afeto à oferta de comida, especialmente doces, o que pode dificultar a construção de uma alimentação equilibrada, mesmo quando os pais já têm consciência da importância de hábitos saudáveis.

Ela afirma que o tratamento da obesidade infantil não depende apenas de medicamentos. A chave está na mudança de estilo de vida, e essa transformação precisa começar dentro de casa. “O grande diferencial acontece quando a família se envolve de verdade na saúde da criança”, destaca a endocrinologista pediátrica.

Atualizar-se sobre as recomendações nutricionais também é essencial. “Quando comecei na pediatria, há quase 30 anos, indicávamos sucos nos primeiros anos de vida. Hoje, a orientação é priorizar a fruta in natura e evitar o consumo de sucos, que contêm alta concentração de frutose”, esclarece. E, para prevenir a obesidade, é ainda mais importante evitar sucos industrializados, refrigerantes e bebidas açucaradas.

Alimentação e atividade física: dupla essencial

Entre as estratégias mais importantes para prevenir ou reverter a obesidade infantil é a adotar uma alimentação realmente saudável, baseada em escolhas conscientes e no equilíbrio.

Além de trocar o suco pela fruta in natura, outro ponto essencial é aumentar o consumo de verduras e legumes e reduzir o consumo de alimentos ultraprocessados, ricos em sódio, gordura e aditivos químicos. Com orientação de um nutricionista, é possível ajustar as porções e estabelecer uma rotina alimentar: refeições em horários regulares, lanches saudáveis entre as principais refeições e nada de “beliscar” fora de hora.

“A alimentação, basicamente, é o caminho”, reforça Dra. Louise, que, antes de falar sobre o uso de medicamentos no tratamento da obesidade infantil, destaca outro “remédio” essencial: a atividade física.

 

Ela argumenta que o aumento do tempo de tela tem contribuído diretamente para o sedentarismo das crianças. Seja no celular, videogame ou televisão, muitas passam horas diante de telas todos os dias, o que reduz significativamente o tempo dedicado a se movimentar. “O ideal é limitar esse tempo a no máximo duas horas por dia”, aponta.

A boa notícia é que não é preciso matricular a criança em um esporte. Brincar ao ar livre, andar, correr ou dançar já são ótimas formas de movimentar o corpo e gastar energia. O recomendado é que os pequenos façam pelo menos 60 minutos de atividade física por dia, preferencialmente de forma divertida e espontânea.

Sono de qualidade também importa

Outro fator que impacta diretamente na saúde das crianças, porém muitas vezes é negligenciado, é o sono. Com a rotina agitada das famílias, é cada vez mais comum que os pequenos durmam tarde, acompanhando o ritmo dos pais.

Mas esse hábito pode trazer consequências sérias. “Já está bem estabelecido na literatura científica que dormir tarde aumenta a fome, eleva o consumo de alimentos calóricos e reduz a sensação de saciedade”, alerta a endocrinologista pediátrica e membro da SBEM. “Por isso, é fundamental garantir que a criança tenha uma rotina de sono adequada e vá dormir cedo.”

Medicamentos

Nem sempre a criança com obesidade consegue perder peso apenas com mudanças na alimentação, na rotina e nos hábitos familiares. Nesses casos, a literatura científica aponta uma tendência: não esperar a criança continuar ganhando peso para, então, iniciar o tratamento medicamentoso.

Mas é importante destacar dois pontos: 1) que os medicamentos não substituem os hábitos saudáveis e 2) eles são considerados apenas quando a resposta às mudanças de comportamento não é suficiente após, em média, três meses de acompanhamento.

“No Brasil, temos duas medicações aprovadas pela Anvisa para adolescentes a partir de 12 anos: liraglutida e semaglutida, ambas análogos de GLP-1, que atuam na regulação do apetite e da saciedade”, explica a endocrinologista infantil Dra. Louise.

Existem outras medicações que podem ser utilizadas, mas em caráter off-label, ou seja, fora das indicações formais de bula. Segundo a especialista, essas opções são usadas com cautela e apenas por profissionais experientes, quando os benefícios superam os riscos. “Um dos análogos de GLP-1, por exemplo, já tem estudos mostrando eficácia e segurança em crianças a partir de 6 anos, embora ainda não esteja oficialmente liberado para essa faixa etária”, ressalta a médica.

Ela explica que a orientação mais atual vem do guideline americano publicado em 2023, que traz critérios claros para a prescrição desses medicamentos em crianças. “Para pacientes com obesidade grave e comorbidades, como hipertensão, colesterol alto ou diabetes, já é possível iniciar o tratamento a partir dos 8 anos, desde que haja avaliação por equipe multidisciplinar e profissional com experiência em obesidade pediátrica.”

Cirurgia bariátrica em adolescentes

Em maio deste ano, o Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou a Resolução nº 2.429/2025, que atualiza as regras para a realização da cirurgia bariátrica e metabólica em adolescentes com obesidade grave e complicações associadas.

Antes, o procedimento só era permitido para menores a partir dos 16 anos. Com a nova norma, adolescentes a partir de 14 anos já podem ser candidatos à cirurgia, desde que apresentem IMC acima de 40 e comorbidades clínicas associadas, como diabetes, apneia do sono ou hipertensão.

Mas a indicação cirúrgica exige critérios rigorosos. “É fundamental que o paciente seja avaliado por uma equipe multidisciplinar, incluindo psicólogo, nutricionista e médico especialista, para verificar, entre outros pontos, se o crescimento já foi concluído”, explica a endocrinologista pediátrica.

Já ouviu essa fake news sobre obesidade infantil?

Tão importante quando mudar hábitos e tratar a obesidade é acabar com os mitos e combater a desinformação. Uma das principais fake news nesta área é a crença de que a criança “vai crescer e emagrecer naturalmente”. Segundo a Dra. Louise Cominato, isso raramente acontece. “Algumas crianças até emagrecem, mas são poucas. A grande maioria mantém a obesidade ao longo da vida e pode desenvolver complicações decorrentes do excesso de peso na infância”, alerta.

Por isso, quanto mais cedo forem iniciadas as intervenções, maiores as chances de sucesso. “Busque ajuda especializada. No Brasil inteiro, existem grupos e serviços de saúde que trabalham com obesidade infantil”, finaliza a endocrinologista pediátrica.

Por Letícia Martins,

Olhar da Saúde-Leticia Martins

Letícia Martins

Jornalista com foco em saúde, escritora, fundadora da Momento Saúde Editora e da revista Momento Diabetes.

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