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Sarampo em adultos: estamos voltando ao passado?

O Brasil havia recebido certificado de eliminação da doença em 2016, mas os casos voltaram a acontecer em 2018. Afinal, quem precisa se vacinar para evitar o surgimento de novos surtos?

Para quem ainda tem dúvida sobre a gravidade do sarampo e suas consequências, a infectologista Eliana Bicudo, assessora da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI), avisa: “Se alguém acha que teve a doença, mas guarda na memória que ela foi fraquinha, tranquila, é bem possível que não tenha sido sarampo”. 

Isso porque a infecção, causada pelo morbilivírus, ataca fortemente as vias aéreas, debilitando muito o paciente. “Ele se multiplica na garganta, no nariz, nos seios da face. Então a pessoa lacrimeja muito, os olhos ficam vermelhos, o nariz congestionado, escorrendo, os olhos mal se abrem. O quadro apresenta ainda tosse, febre alta, falta de apetite”, descreve a médica. Isso sem contar as pintas características pelo corpo. “As manchas aparecem inclusive na boca, causando a chamada língua de morango ou de framboesa”, completa. 

Mesmo sendo mais comum na infância, nenhuma faixa etária está isenta de ter a doença. “No adulto, as infecções virais costumam ser mais severas do que nas crianças. É assim com a catapora, a caxumba. E não é diferente com o sarampo”, observa Eliana. 

É bem verdade que estamos falando de uma doença prevenível por vacina e que, no Brasil, as doses são aplicadas desde 1967. Hoje o imunizante tríplice viral – que protege contra sarampo, rubéola e caxumba – faz parte do calendário do Programa Nacional de Imunizações (PNI) e está disponível nas Unidades Básicas de Saúde. 

A questão é que há tempos se observa uma queda na cobertura vacinal como um todo, despertando o temor do retorno de diferentes doenças. Esse cenário, que felizmente começa a dar sinais de melhora, é apontado como uma das razões de o Brasil ter perdido o certificado de país livre do sarampo, obtido em 2016. 

A mudança do status ocorreu porque, a partir de 2018, houve a reintrodução do vírus no país e, de acordo com boletim epidemiológico do Ministério da Saúde, naquele ano foram registrados mais de 9 mil casos da doença. As notificações aos poucos foram diminuindo, e desde 2022 não houve nenhuma infecção constatada por aqui.  

“Mas não se pode baixar a guarda na vigilância”, ressalta Eliana Bicudo. Até porque, com os constantes deslocamentos entre países, a ameaça está sempre à espreita. Basta ver o comunicado do Ministério da Saúde, publicado em 30 de janeiro de 2024, dando ciência de um caso importado de sarampo procedente do Paquistão, sul do continente asiático. O paciente é uma criança menor de 5 anos, não vacinada, que chegou ao Brasil na última semana de dezembro de 2023”. 

“O sarampo é uma doença de notificação compulsória”, explica a médica da SBI. “Como uma pessoa pode contaminar até outras vinte, quando há alguma suspeita, a vigilância sanitária vai investigar e tomar medidas para promover o isolamento e impedir que o vírus se propague”, justifica. 

Tamanho cuidado faz sentido, tanto pela magnitude dos sintomas respiratórios quanto pelas complicações que o sarampo é capaz de desencadear em qualquer idade. “A doença pode evoluir gravemente para uma meningoencefalite, infecção no sistema nervoso”, diz Eliana. A pneumonia é uma das repercussões mais comuns. “E ela tende a ser tão grave quanto a provocada pela covid, naquela fase inicial, antes da vacina, exigindo respiração mecânica e com possibilidade de levar à insuficiência respiratória e ao óbito”, compara a médica. E até hoje não há um antiviral específico para tratar o sarampo. 

E mais, complementa Eliana: a doença inflama tanto a árvore respiratória que as bactérias da flora normal se multiplicam, gerando complicações secundárias, como sinusite e pneumonia bacteriana, que precisam ser tratadas com antibióticos. 

Carteira de vacinação em dia deve ser regra

A infectologista Eliana Bicudo usa uma frase que se tornou popular entre as explicações sobre os motivos de as pessoas deixarem de se vacinar mesmo com o risco de abalos tão graves à saúde: “O sarampo é uma das doenças que sofrem porque a vacina é muito eficiente”. Ou seja, como as ocorrências deixam de ser frequentes, há uma percepção equivocada de que a imunização já não é mais necessária. Os recentes surtos, porém, estão aí para desmentir essa crença. “O Brasil só vai recuperar o certificado de erradicação do sarampo quando atingir novamente os índices esperados de cobertura vacinal”, pondera a médica.

Quem precisa se imunizar

A tríplice viral é uma vacina feita com vírus atenuado do sarampo, da rubéola e da caxumba. É oferecida tanto nos serviços públicos de saúde quanto na rede privada. 

Não custa relembrar o esquema vacinal recomendado para as diferentes faixas etárias, de acordo com a Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm).

  • Duas doses, com intervalo mínimo de 1 mês, a partir dos 12 meses de idade.
  • Duas doses, com intervalo de 1 a 2 meses, para crianças mais velhas, adolescentes e adultos até 29 anos não vacinados ou sem comprovação de imunização. 
  • Uma dose para pessoas entre 30 e 59 anos. 

Quem não pode tomar, ainda de acordo com a SBIm: 

  • Gestantes.
  • Pessoas imunossuprimidas.
  • Indivíduos com história de reações alérgicas graves a algum componente do produto.

O PNI não contempla a vacinação de pessoas a partir dos 60 anos, porque se considera que essa população tenha tido a doença e, portanto, está protegida e deixa de ser prioridade. No entanto, alerta a SBIm, “diante da exposição ao vírus, dúvida sobre passado de doença ou sobre o histórico vacinal, a vacinação é indicada”. 

E se a pessoa não tem certeza de que teve sarampo ou se recebeu o imunizante em algum momento da vida? “Na dúvida, o melhor é se vacinar mesmo, especialmente se for viajar para um local em que haja surtos ou número elevado de casos confirmados”, responde Eliana Bicudo. 

“As salas de imunização no Brasil têm profissionais treinados para dar orientação. E no futuro esses questionamentos sobre se tomou ou não as doses não existirão mais”, diz, otimista, a infectologista. Assim como no SUS, clínicas privadas precisam manter registros sobre lotes aplicados e informações da pessoa imunizada, zelando, claro, pela confidencialidade dos dados. “Quando os sistemas estiverem integrados, bastará uma consulta pelo celular, como já acontece com a vacina da covid, para saber se a vacinação contra o sarampo está em dia”, conclui.

Por Goretti Tenorio,

Olhar da Saúde-Goretti Tenorio

Goretti Tenorio

Jornalista pela ECA-USP e desde 2010 escreve sobre saúde para diferentes veículos.

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