Uma injeção por semana: a nova era do tratamento com hormônio do crescimento
Opção de aplicação semanal promete mais conforto e adesão ao tratamento, mas ainda não está disponível na rede pública. Entenda quem pode se beneficiar e o que dizem os especialistas
O tratamento com hormônio do crescimento (GH) está passando por uma transformação significativa. Em vez das tradicionais injeções diárias, duas novas formulações de aplicação semanal foram recentemente aprovadas no Brasil, abrindo caminho para mais comodidade, qualidade de vida e, possivelmente, maior adesão ao tratamento, um dos maiores desafios enfrentados por pacientes com deficiência do GH.
As versões de uso prolongado são chamadas de long acting growth hormone (LAGH). Uma delas, a somatogrona, já está disponível para uso no país, enquanto a somapacitana, embora aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), ainda não está sendo vendida nas farmácias brasileiras.
“Há outros LAGH que não são comercializados no nosso país, como lonapegsomatropina, aprovado nos Estados Unidos e na Europa, e o jintrolong, comercializado há mais de 10 anos na China”, aponta o endocrinologista Cesar Luiz Boguszewski, professor titular do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e chefe do Serviço de Endocrinologia e Metabologia do Hospital de Clínicas da UFPR (SEMPR).
Quem pode usar o GH semanal?
De acordo com a endocrinologista Margaret Cristina da Silva Boguszewski, diretora do Departamento de Endocrinologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM) e professora titular do Departamento de Pediatria da Universidade Federal do Paraná (UFPR), as duas preparações de LAGH disponíveis no Brasil são aprovadas apenas para o tratamento da deficiência de GH em adultos e em crianças e adolescentes a partir de dois anos de idade.
Já as formulações de GH recombinante de uso diário são indicadas, no Brasil, tanto para crianças quanto para adultos com deficiência do hormônio. “Elas são indicadas também para promover ganho estatural em crianças baixas com insuficiência renal crônica, síndrome de Turner, síndrome de Noonan, nascidas pequenas para a idade gestacional, e com baixa estatura idiopática. Estão aprovados ainda para uso em pacientes com a síndrome de Prader-Willi, com o objetivo de melhorar o crescimento e a composição corpórea”, expõe.
GH semanal significa menos aplicações e mais adesão?
A expectativa é que assim seja, especialmente para quem depende do GH em longo prazo. “O uso dos LAGH tem como principal finalidade combater uma das possíveis causas da má adesão ao tratamento de longo prazo com hormônio de crescimento, que é a necessidade de injeções subcutâneas diárias, passando a ser usado em injeções semanais”, ressalta Margarete.
Contudo, apesar de estudos clínicos sugerirem que o tratamento semanal pode, sim, melhorar a adesão, Boguszewski pondera que ainda faltam dados concretos sobre esse impacto no “mundo real”, principalmente no Brasil, que possam apontar com exatidão se a adesão é ou não melhor com LAGH comparados às injeções diárias.
O médico, que também é editor-chefe da Archives of Endocrinology and Metabolism, a revista oficial da SBEM, acrescenta: “Os principais benefícios dos LAGH são exatamente os mesmos do GH diário, que já vem sendo usado há 40 anos. O que muda é a conveniência e, possivelmente, o comprometimento do paciente com o tratamento”.
E os efeitos colaterais?
Boguszewski esclarece que, até o momento, os estudos com somapacitana e somatogrona mostraram efeitos colaterais semelhantes aos do GH diário, em sua maioria leves e transitórios.
Os efeitos colaterais mais comuns relatados nos estudos com a somapacitana foram:
- Dor de cabeça
- Dores nas extremidades
- Reações no local da aplicação da injeção
- Hipotireoidismo
- Inchaço dos pés e tornozelos, causado pelo acúmulo de líquidos (edema periférico)
- Hiperglicemia,
- Dor nas articulações
- Insuficiência adrenocortical (falha na produção do hormônio cortisol)
- Fadiga (cansaço)
Em relação à somatogrona, os estudos clínicos revelaram como eventos adversos mais frequentes reações no local da injeção, dor de cabeça e aumento da temperatura corporal, também quase sempre leves e transitórias.
O endocrinologista ressalta que, ao contrário do GH diário, cuja composição é padronizada, cada formulação de GH semanal possui características farmacológicas próprias. Isso significa que os dados de segurança e eficácia de uma molécula não podem ser automaticamente aplicados à outra. “Por exemplo, a somapacitana é uma molécula totalmente diferente da somatogrona. Por isso, os médicos que prescrevem ou prescreverão LAGH devem conhecer em profundidade cada uma das formulações que venham a ser comercializadas.
Crianças e adultos respondem da mesma forma ao GH semanal?
Embora os objetivos do tratamento sejam diferentes — nas crianças, o foco está no ganho de estatura, e, nos adultos, em fatores como composição corporal e qualidade de vida —, os estudos demonstram que, até o momento, a resposta clínica em termos de eficácia e segurança se mantém comparável entre os dois grupos. “O que se sabe dos estudos feitos com GH semanal em crianças e adultos é que as respostas são comparáveis em relação à eficácia e segurança de curto e médio prazo ao tratamento com GH diário”, declara Margarete.
E o acesso a esse novo tratamento?
Por enquanto, os medicamentos de aplicação semanal ainda não estão disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS) e não há cobertura obrigatória pelos planos de saúde, o que pode dificultar o acesso para grande parte da população que depende dessas alternativas.
Se por um lado há desafios no caminho, por outro o avanço da Medicina é inegável: a possibilidade de tratar a deficiência de GH com apenas uma injeção por semana já é uma realidade e representa um marco na jornada de quem convive com essa condição.
29 de maio de 2025
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