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Cistatina C: um exame de sangue que ajuda a determinar com mais precisão a função dos rins

O tema que foi destaque na atualização das diretrizes a respeito de doença renal crônica como ferramenta de identificação e monitoramento do problema

Os especialistas são unânimes em afirmar: o diagnóstico precoce é crucial para o manejo da doença renal crônica (DRC), condição que, de acordo com estimativas da Sociedade Brasileira de Nefrologia, atinge 10% da população. 

“A DRC é uma lesão que acontece nos rins, de forma progressiva, irreversível, definida por anormalidades estruturais ou funcionais persistentes, por mais de três meses”, explica o nefrologista Marcos Alexandre Vieira, presidente do Conselho Curador da Fundação Pró-Rim. “Trata-se de uma alteração da capacidade dos rins de filtrar o sangue e eliminar as impurezas na urina”, completa. 

No país, de acordo com o médico, mais de 150 mil pacientes realizam diálise ou terapia renal substitutiva, a hemodiálise e a diálise peritoneal. E em torno de 40 mil aguardam em lista de transplante de rim.

Diante desse cenário, identificar o quanto antes os abalos no funcionamento desses órgãos, diz o especialista, é a chave para mitigar problemas como glomerulonefrites, inflamações na região que podem ser tratadas antes de progredir para DRC. “E mesmo quando a DRC já está instalada, é importante diagnosticar precocemente para lentificar sua progressão”, pondera Vieira.

Entre os exames usados para flagrar problemas renais, está a dosagem de albumina na urina. A perda excessiva dessa proteína, classificada como proteinúria, indica que algo não vai bem. A caracterização de DRC se baseia na taxa de filtração glomerular, uma avaliação de quantos mililitros de sangue são filtrados por minuto. Isso é medido pela quantidade de creatinina presente no sangue. Essa substância, em condições normais, é produzida pelos músculos e eliminada pelos rins. Ou seja, se aparece em abundância no laudo, é sinal de encrenca. 

Embora a creatinina seja o padrão mais utilizado na estimativa da taxa de filtração glomerular, sua concentração é passível de influência de fatores como massa muscular do indivíduo e sua alimentação, seu consumo de proteínas, o que pode interferir na análise da função renal.

Monitoramento mais preciso

A preocupação com a acurácia da taxa de filtração glomerular foi destaque das novas Diretrizes de Prática Clínica para Avaliação e Tratamento da Doença Renal Crônica, elaboradas pelo Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO), fundação internacional voltada a melhorar cuidados em relação à doença. A orientação é lançar mão da combinação de creatinina com outro marcador, a cistatina C, a fim de obter maior precisão nos resultados. 

Isso porque a concentração no sangue dessa proteína filtrada no glomérulo, uma unidade dos rins, não sofre interferência da composição corporal, sexo ou idade do paciente. A maior sensibilidade da cistatina C em identificar lesões renais em estágios iniciais é considerada determinante para o diagnóstico precoce de DRC, beneficiando sobretudo pessoas com risco aumentado para essa condição, caso de quem tem histórico familiar de problema nos rins.

Na atualização de 2024 das diretrizes, os autores reforçam o papel da cistatina C também no direcionamento das abordagens da doença, na classificação de risco de complicações, nos ajustes de dosagens de medicamentos e na personalização do tratamento para diferentes composições corporais, como de crianças e idosos. 

“A cistatina C é um marcador bem estabelecido de filtração renal, com algumas limitações de uso em virtude dos custos, diferentemente da creatinina, que é um exame de fácil acesso, amplamente solicitado na rede pública e privada de saúde”, analisa Vieira. 

Um avanço silencioso

Na visão de Marcos Alexandre Vieira, a busca por ajuda especializada para diagnosticar e tratar a DRC encontra um entrave: em geral, essa é uma condição que apresenta poucos sintomas. “A pessoa pode desenvolver o problema sem que se perceba”, argumenta o médico. Muitas vezes as primeiras manifestações vêm em forma de cansaço e fraqueza, porque a capacidade de filtração dos rins está diminuindo. “Cai também a produção de um hormônio chamado eritropoietina, resultando em anemia. Além disso, os níveis fora de controle da pressão arterial, a urina espumosa ou com sangue e o inchaço nas pernas são indícios de alteração na função renal”, lista o médico. “Uma pessoa que acorda muitas vezes a noite para urinar, o que chamamos de nictúria, pode igualmente indicar DRC”, aponta. 

Hipertensão arterial e diabetes estão entre as principais causas do problema, que também está relacionado a obesidade, tabagismo, doenças autoimunes e uso indiscriminado de medicamentos, especialmente os anti-inflamatórios. Daí a importância de medidas de controle dessas patologias e de mudanças no estilo de vida para evitar a progressão da DRC. 

“São cinco os estágios da doença. A primeira linha de cuidado, quando o paciente está no estágio 1, é o que chamamos de conservador, em que a pessoa faz ajustes em relação a dieta e exercícios físicos. Envolve ainda o uso de medicamentos, como anti-hipertensivos e antiproteinúricos”, diz Vieira. 

Para aqueles que perderam a capacidade de filtrar o sangue, no estágio 5, o plano terapêutico abrange a hemodiálise, a diálise peritoneal e o transplante. Hoje novos tratamentos e tecnologias, caso da hemodiafiltração de alto volume, terapia que auxilia na remoção de mínimas impurezas do sangue, aumentam a perspectiva de desfechos positivos, mas o acesso a inovações como essa é mais limitado à população. 

“A OMS acredita que até 2040 a DRC será a quinta maior causa de morte no mundo. Então é muito importante que a sociedade fale sobre esse assunto, busque informação, educação, que esteja atenta a isso. Que realize ações voltadas à prevenção primária. Busque saúde, qualidade de vida. Cuide dos seus rins, previna-se”, convoca Vieira. 

Por Goretti Tenorio,

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Goretti Tenorio

Jornalista pela ECA-USP, desde 2010 escreve sobre saúde para diferentes veículos.

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