Olimpíada: os brasileiros com diabetes já ganharam o ouro em resiliência e superação
O diagnóstico e o acesso ao tratamento no SUS exigem uma força de vontade
digna de campeão olímpico para serem efetivamente conquistados no Brasil
Tempos atrás, eu aproveitaria a Olimpíada para fazer uma lista de superatletas com diabetes que quebraram recordes mundiais. E certamente diria para alguns de meus pacientes se espelharem nesses exemplos de superação. O esporte é sempre uma boa analogia com a vida: disciplina, superação, vitórias, derrotas, caminhos tortuosos…
Mas a verdade é que os brasileiros com diabetes já passam por uma olimpíada desde o diagnóstico. Eles são vencedores na categoria “maratona de longa distância”.
Já de largada, há um retardo no diagnóstico. No caso do diabetes tipo 1, aquele que surge mais comumente na infância e adolescência, essa demora pode ser fatal, pois às vezes a pessoa só descobre que tem a doença quando vai parar no pronto-socorro durante uma crise de cetoacidose diabética. Essa, aliás, é uma situação grave e potencialmente letal, em que a glicose está muito elevada, o que gera um aumento de cetonas no sangue.
O diabetes tipo 2, mais comum em adultos e idosos com obesidade abdominal, tem um curso mais indolente e silencioso por anos. Segundo a Federação Internacional de Diabetes – o nosso Comitê Olímpico Internacional, assim por dizer –, cerca de 40% dos brasileiros com essa versão da doença não sabem disso. Infelizmente, alguns só detectam o diabetes após uma complicação cardíaca, renal ou ocular, por exemplo.
Mas, mesmo após o diagnóstico, a maratona continua, dessa vez para correr atrás de medicamentos de ponta no SUS. E, sim, alguns deles estão na rede pública, mas, para consegui-los, o paciente precisa atravessar toda uma papelada burocrática e se encaixar dentro de uma indicação muito específica (e que, no fim das contas, contempla pouca gente).
Enquanto isso, há lugares no Brasil em que a insulina – o primeiro tratamento disponível na história do diabetes! – ainda é oferecida em seringas, quando hoje temos canetas muito mais cômodas.
Sim, o efeito da seringa é igual ao da caneta, mas sugiro a quem tomou essa decisão testar os dois métodos duas, três, quatro, até cinco vezes ao dia. E depois imaginar fazer isso diariamente. Aí, então, poderemos discutir sobre o efeito da comodidade, inclusive na adesão ao tratamento.
E olha que eu nem vou entrar no debate da bomba de insulina. Mas, se for necessário usá-la, o paciente deve vir preparado para uma longa prova de processos judiciais.
Agora vamos pensar no monitoramento da glicose, um processo contínuo no acompanhamento do diabetes. No SUS, o nosso paciente-maratonista ainda precisa fazer picadinhas nos dedos várias vezes ao dia. E isso vale para crianças também.
Sim. O Brasil investe muita verba com saúde, mas principalmente com as complicações, que são extremamente caras. Não seria a hora de virarmos o jogo e pensarmos na prevenção dessas complicações?
Por isso, reforço aqui: se você tem diabetes, já é medalha de ouro na maratona da resiliência e da superação.
31 de julho de 2024
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Carlos Eduardo Barra Couri
Médico endocrinologista e curador do Portal Olhar da Saúde.