Olhar da Saúde-Thumbs-Teste do pezinho

Teste do pezinho: em que o Brasil precisa melhorar?

A triagem neonatal é a chave para detectar doenças que podem comprometer o desenvolvimento da criança, mas o país ainda enfrenta desafios na sua ampliação

Um exame obrigatório e gratuito em todas as maternidades e Unidades Básicas de Saúde (UBS) do país, feito através de coleta de gotas de sangue do calcanhar do recém-nascido absorvidas por papel filtro, material que é enviado para serviços de referência em triagem neonatal para análise em seus laboratórios especializados. Assim começa o processo capaz de identificar precocemente mais de 50 doenças metabólicas, genéticas e infecciosas, de forma que possam ser tratadas o mais cedo possível para evitar suas sequelas. 

O teste do pezinho começou a ser feito no Brasil na década de 1970 e foi incorporado ao Sistema Único de Saúde em 1992. Em 2001, veio a criação do Programa Nacional de Triagem Neonatal, que, de acordo com o Ministério da Saúde, tem a missão de “promover, implantar e implementar ações visando o acesso universal, integral e equânime, com foco na prevenção, na intervenção precoce e no acompanhamento permanente das pessoas com as doenças incluídas no programa”.

“O SUS garante o exame, os testes confirmatórios, o atendimento e o acompanhamento da criança por profissionais especializados na doença detectada”, descreve a médica geneticista Helena Pimentel, gerente do serviço de referência em triagem neonatal da Apae Salvador. 

Isso significa que, quando se confirma o diagnóstico, por exemplo, de fenilcetonúria – caracterizada pela ausência, na alimentação, de uma enzima relacionada a um aminoácido, chamado fenilalanina –, o programa se responsabiliza inclusive pelo suprimento de todas as fórmulas que fazem parte do manejo da doença. Isso porque o tratamento é basicamente dietético e as fórmulas especiais devem ser introduzidas sob orientação de médicos e nutricionistas. 

A fenilcetonúria é uma das sete doenças detectadas no teste do pezinho oferecido pelo SUS. A mais recente delas incluída no serviço público de triagem é a toxoplasmose congênita, transmitida ao bebê pela mãe durante a gestação e que pode resultar em complicações como cegueira e déficits auditivos. 

As diferenças da triagem no SUS e na rede privada 

A demora na ampliação do teste do pezinho gratuito, determinada por lei aprovada em 2021, vem mobilizando associações de pacientes e sociedades médicas do país – as entidades buscam a equiparação com o exame realizado na rede privada, que cobre o rol das mais de 50 doenças. 

Consultora do Ministério da Saúde, Helena Pimentel ressalta: “A lei pode até ajudar a impulsionar ações, mas o processo de triagem neonatal é complexo, vai muito além da coleta do sangue do pezinho”. De acordo com a médica, há casos em que o exame é realizado no sistema privado, a família pega o resultado, leva ao pediatra e este não sabe exatamente o que fazer em cada caso específico ou mesmo interpretar o laudo, ocasionando muitas vezes um atraso perigoso do início dos cuidados.

“Veja, é preciso antes de tudo garantir a padronização do processo, desde a maternidade. O sangue deve ser colhido idealmente do terceiro ao quinto dia de vida da criança, porque existem doenças, caso da fenilcetonúria, que só fornecem pistas depois de a criança ter sido alimentada por pelo menos dois dias, para testar o seu metabolismo, a fim de evitar resultado falso negativo”, argumenta.

Os entraves para a ampliação da triagem começam pela diversidade e desigualdade de recursos e informação dos estados brasileiros e seus mais de 5.500 municípios. “Em alguns faltam até mesmo os kits necessários para realização dos exames”, avisa Pimentel. 

E mais: um resultado positivo na triagem não significa necessariamente que a criança tenha a doença. Daí porque o passo seguinte à suspeita é aprofundar a investigação em centros de referência para confirmar ou não o problema. 

“Há locais distantes centenas de quilômetros em que o primeiro desafio é transportar as amostras dos postos de coleta e maternidades aos laboratórios em tempo hábil. Depois, diante de resultado alterado, fazer busca ativa, localizar a família, deslocar o bebê para fazer novos testes. A partir do diagnóstico, garantir o atendimento especializado, com uma equipe multidisciplinar e o acompanhamento regular dessa criança. É assim que deve funcionar o Programa Nacional de Triagem Neonatal”, reforça a geneticista. 

Nesse sentido, a proposta de implementação da lei de 2021, que obriga a ampliação no SUS em quatro anos, era fazer isso de forma gradual, em cinco etapas (a programação prevista pode ser conhecida neste link: https://www.gov.br/pt-br/noticias/saude-e-vigilancia-sanitaria/2021/05/teste-do-pezinho-sera-ampliado-e-detectara-ate-50-novas-doencas 

“Não se trata simplesmente de cumprir uma lei. O Ministério da Saúde está trabalhando para mapear os estados, saber quais têm condições de assumir o processo todo e como aparelhar os que não têm”, pondera Helena Pimentel. 

As diferenças regionais são significativas, tanto que alguns estados já avançaram com recursos próprios. “Em São Paulo, o Instituto Jô Clemente tem um laboratório de ponta, que executa as análises inclusive para a rede privada. Mas faz isso com toda a estrutura necessária para dar assistência às famílias”, analisa a especialista. 

Essa estruturação, vale lembrar, passa até mesmo por treinamento de equipes médicas e disponibilização de insumos e medicamentos. A pergunta a ser respondida é: de onde virão os financiamentos?

“O Ministério da Saúde precisa organizar e reestruturar a rede, ser notificado dos resultados dos exames feitos pela rede privada, garantir que haja encaminhamento dos casos suspeitos, corrigir falhas no atendimento, assegurar tratamentos. Senão se coloca em risco o funcionamento de todo o Programa Nacional da Triagem Neonatal”, resume Helena Pimentel.

Por Goretti Tenorio,

Olhar da Saúde-Goretti Tenorio
Goretti Tenorio

Jornalista pela ECA-USP, desde 2010 escreve sobre saúde para diferentes veículos.

Rolar para cima