De vacina a suplementos alimentares, passando pelos antibióticos: tudo sobre infecção urinária em mulheres, por que ela acontece e como prevenir
A ala feminina é mais propensa a sofrer com esse incômodo, que pode ser recorrente e desencadear complicações
Os sinais são conhecidos: vontade de ir ao banheiro toda hora, aquela queimação quando o xixi sai, geralmente em pouca quantidade, um certo mal-estar que vai ganhando força com a demora em tomar providências para conter o problema. A infecção urinária é um perrengue frequente, sobretudo entre as mulheres. Mais de 50% delas passam por pelo menos um episódio desses ao longo da vida.
Para entender por que isso acontece e o que fazer para minimizar os riscos, ouvimos a urologista Julia Duarte de Souza, coordenadora do Departamento de Disfunções Miccionais da Sociedade Brasileira de Urologia Minas Gerais (SBU-MG).
O que é infecção urinária?
Causado pela presença de micro-organismos da microbiota intestinal, principalmente a bactéria Escherichia coli, em algum ponto do trato urinário, o problema se apresenta como cistite ou pielonefrite. “No primeiro, as bactérias acometem a bexiga e a uretra. É o tipo mais comum e marcado pela chamada dor no pé da barriga, na região mais baixa do abdômen, vontade de urinar com muita frequência, urgência em ir ao banheiro, queimação na hora de fazer xixi. Pode ainda haver sangramento na urina”, descreve a médica da SBU. “Já a pielonefrite é um quadro em que as bactérias atingem os rins, geralmente dando origem a sintomas mais sistêmicos, a exemplo de prostração, febre, dor lombar, com maior potencial de gravidade.”
Por que é um problema predominantemente feminino?
Por uma questão anatômica. “As mulheres têm uma maior tendência a esse tipo de infecção porque o espaço do períneo, entre a uretra, por onde o xixi é eliminado, e o ânus, é muito curto. E essa é uma região muito colonizada por bactérias. Então eventualmente algumas conseguem chegar à uretra, subir à bexiga e causar a infecção.”
Como se faz o diagnóstico?
Por avaliação médica, levando em conta os sintomas e as condições físicas da paciente. A comprovação se dá por meio de teste de urina que constata a presença de bactérias. No caso da pielonefrite, também se solicita exame de sangue e de imagem para investigar se há alguma complicação.
Quais são as possíveis complicações?
“A maior preocupação nos episódios de cistite é que ela progrida para uma pielonefrite, com a bactéria alcançando os rins. A pielonefrite, por sua vez, pode gerar abscessos renais e até mesmo sepse, a infecção generalizada pelo organismo, com risco inclusive de morte.”
Existem condições de saúde que aumentam o risco de infecção?
Alterações intestinais constantes são um perigo. “Tanto a constipação quanto a diarreia podem favorecer o aparecimento do problema porque aumentam a quantidade de micro-organismos na região.”
O diabetes também pode tornar a pessoa mais suscetível ao problema. “A eliminação de glicose pela urina, seja em decorrência da doença em si seja por efeito de algumas medicações usadas para tratá-la, pode propiciar a proliferação de bactérias.”
A idade conta nesse contexto?
Existem alguns períodos em que a mulher está mais propensa à infecção. Um deles é o início da vida sexual, porque o atrito na região colonizada por bactérias pode facilitar a entrada desses agentes no trato urinário. Outro é a menopausa. “Nessa fase, a baixa do estrogênio causa alterações na mucosa vaginal, porque temos receptores desse hormônio na região. Além disso, a camada de células da vagina fica mais delgada e diminui a lubrificação. Dessa forma, os mecanismos de defesa naturais contra as infecções ficam mais frágeis. Por isso, muitas vezes é indicado fazer uma reposição local do hormônio para prevenir as infecções recorrentes.”
O que fazer diante de infecções de repetição?
“Elas são consideradas recorrentes quando a mulher tem pelo menos dois episódios em menos de seis meses ou três em menos de um ano”, esclarece a médica. Nessa circunstância, é preciso procurar avaliação especializada para investigar se há alguma anomalia no trato urinário, pedras nos rins ou mesmo problemas intestinais como causa.
É mais arriscado ter infeção urinária durante a gestação?
Sim, uma vez que a condição está associada a maior risco de parto prematuro e de baixo peso do bebê ao nascer. “Existe um quadro chamado bacteriúria assintomática, ou seja, as bactérias estão presentes, mas a mulher não tem sintomas. Em situações assim, normalmente nem é preciso medicar. Mas a gravidez configura uma exceção. Nesses casos, com ou sem sintomas, tem indicação de rastrear, fazer exames de urina periódicos e, se constatar micro-organismos, tratar.”
Como é feito o tratamento?
Com antibióticos e remédios analgésicos. “Estes últimos têm o efeito de melhorar a dor mais rapidamente. Mas é bom ressaltar que eles não tratam a infecção. Se a mulher tiver algum desconforto, não deve se automedicar, porque pode até mascarar os sintomas, mas a bactéria continua ali e a infecção é capaz de persistir e progredir.”
Quanto tempo demora para curar?
Para cistite, o controle costuma ser feito com antibióticos de dose única ou aqueles administrados de três a cinco dias. Na pielonefrite, o tratamento se estende, em geral, por dez a 14 dias.
O que aumenta o risco de infeção: usar banheiro público? Relação sexual? Segurar o xixi?
“É comum achar que se sentar no vaso sanitário público propicia pegar a infecção. Mas não. Ela é causada por agentes do nosso próprio corpo”, reforça a urologista.
Quanto à associação com o ato sexual, algumas mulheres de fato notam os sintomas algum tempo depois da relação. Isso está relacionado ao mencionado atrito na região repleta de bactérias. “Daí a recomendação de urinar depois da relação, pelo efeito mecânico.” Ou seja, o fluxo do xixi “lava” os micro-organismos que estejam por ali tentando subir.
Sobre o risco de postergar por muito tempo a ida ao banheiro, a especialista comenta que, embora não haja evidências robustas desse elo, o raciocínio seria o de que a urina parada na bexiga favoreceria a propagação de bactérias. Melhor evitar esse costume.
Que hábitos ajudam na prevenção?
Em primeiro lugar, uma boa hidratação. “Em geral se recomendam mais ou menos 30 ml de água por quilo de peso ao dia.” Ou seja, uma pessoa de 60 quilos deve ingerir em torno de 1,8 litro de água nesse período. Mas a quantidade depende também de outros fatores. “No verão, por exemplo, pode precisar de um volume maior porque se transpira mais.” Da mesma forma, quem pratica mais atividade física deve caprichar na ingestão. A própria cor da urina serve de parâmetro. O ideal é que o tom seja amarelo-claro, com o xixi nem transparente nem muito concentrado.
Zelar pela higiene, claro, também faz diferença. “Quando for ao banheiro, sempre limpar de frente para trás e nunca ao contrário, para não trazer bactéria da área próxima do ânus para a vagina”, orienta a especialista. Também não é prudente ficar longos períodos com roupa íntima úmida e abafada, coisa comum no verão, depois da praia ou piscina.
E o melhor é investir em roupas íntimas de algodão, que facilitam a transpiração da região.
Usar ducha vagina ajuda a evitar o problema?
Muitas mulheres têm esse hábito, mas não é recomendável. “Essa prática pode alterar a flora vaginal, causando um desequilíbrio. Às vezes até empurra a bactéria para dentro.”
E os sabonetes específicos para região?
“Eles podem ser utilizados se for a preferência da mulher, mas não são necessários. De todo modo, a higiene deve ser feita só na parte externa, na vulva, grandes e pequenos lábios. Esses produtos costumam vir com a informação de que respeitam o pH natural, mas não se deve lavar o canal vaginal, então não há nenhuma comprovação de que previvem infecção.”
Existem suplementos capazes de diminuir o risco?
“Essa é uma pergunta frequente no consultório”, diz a urologista. “Nas cápsulas de cranberry se encontra uma substância chamada proantocianidina, e estudos in vitro mostram que esse antioxidante pode inibir a adesão das bactérias à parede da bexiga, ajudando a evitar infecções. Alguns estudos apontam diferença nesse sentido e outros nem tanto. Vale a pena discutir com o médico sobre o uso, lembrando que seria apenas para prevenção, e não para tratamento.”
E a vacina MV140, anunciada como alternativa?
“Em alguns países ela está em uso, mas não tem no Brasil. É uma vacina em forma de spray sublingual, ou seja, com pulverizações embaixo da língua, que tem mostrado resultados promissores em casos de infecções de repetição e resistentes a tratamento. Estamos otimistas com essa perspectiva.”
A médica destaca ainda um medicamento, um lisado bacteriano – composto de fragmentos de 18 cepas de Escherichia coli –, que funciona como imunoterápico. É indicado para mulheres com histórico de infecções recorrentes e apenas sob prescrição médica.
13 de janeiro de 2025
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