Por que o ultrassom da tireoide não é um exame de checkup?
Solicitação indiscriminada do exame pode levar a estresse, procedimentos invasivos e tratamentos evitáveis. Entenda os critérios médicos para a solicitação do exame
A tireoide é uma glândula em formato de borboleta, localizada no pescoço, abaixo do pomo-do-adão (popularmente conhecimento como gogó) e tem um papel vital no nosso organismo. Ela é responsável por produzir os hormônios triiodotironina (T3) e tiroxina (T4), considerados os “combustíveis” do corpo, pois regulam uma série de funções corporais, da unha do pé até o fio do cabelo.
“O bom funcionamento da tireoide contribui para a saúde mental, faz o intestino funcionar direito e ajuda o coração a bater no ritmo certo. Também beneficia a saúde do cabelo, deixa a pele bem hidratada e a temperatura corporal equilibrada, entre outras funções. Ou seja, ela é essencial para a saúde geral do corpo”, explica Carolina Ferraz, endocrinologista da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo (SBEM-SP).
Por outro lado, quando essa glândula não está funcionando bem, ela pode liberar hormônios em quantidade insuficiente (hipotireoidismo) ou em excesso (hipertiroidismo). Problemas como esses podem acontecer em qualquer etapa da vida, do recém-nascido ao idoso, em homens e mulheres.
O exame inicial para identificar as doenças relacionadas ao funcionamento da tireoide é a dosagem do hormônio tireoestimulante (TSH). Já o ultrassom pode ser solicitado aos pacientes com nódulo palpável ou com outras alterações detectadas no exame físico ou como forma de complementação diagnóstica.
No entanto, a crescente tendência de solicitar ultrassonografias da tireoide como parte dos exames de checkup tem gerado discussões sobre a necessidade real desse procedimento. Apesar de muitos médicos utilizarem esses exames como uma forma de triagem, essa prática indiscriminada pode levar a diagnósticos inexpressivos, estresse dispensável, além de procedimentos e tratamentos invasivos que poderiam ser evitados.
“As alterações da tireoide podem aparecer em forma de pequenos nódulos, que nunca vão trazer qualquer impacto na vida do paciente. Eles não têm nenhum impacto clínico, mas são encontrados, por exemplo, em quase metade das mulheres após os 30-40 anos”, expõe a endocrinologista, que é professora da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e coordenadora de Centro de Tireoide do Hospital Samaritano (SP).
Ela acrescenta que esses nódulos costumam ficar estabilizados no mesmo tamanho em que foram encontrados, em média com um centímetro e meio, sem causar nenhum efeito colateral.
Os impactos de um diagnóstico desnecessário
Embora na maioria dos casos a ultrassonografia da tireoide em si não represente risco à saúde, a realização desnecessária desses exames pode trazer impactos negativos significativos, como desequilibrar financeiramente tanto o Sistema Único de Saúde (SUS) quanto a rede suplementar de saúde, mesmo que o custo do procedimento seja relativamente baixo.
Além disso, a detecção de um nódulo na tireoide pode gerar ansiedade e estresse emocional. Isso frequentemente leva o paciente a buscar uma consulta com um especialista, que, por sua vez, pode solicitar uma biópsia — um procedimento doloroso e desconfortável.
Enquanto aguarda o resultado, o paciente enfrentará uma série de angústias, especialmente diante do temor de um possível diagnóstico de câncer, que será ainda mais intenso se houver histórico familiar da doença. Esses pensamentos afligem a mente do paciente, gerando uma carga emocional significativa. “É um estresse desnecessário, visto que, em 80% dos casos, o nódulo é benigno. E tudo isso aconteceu devido a uma investigação que nem deveria ter sido feita”, ressaltou Carolina.
Ela defende que o ultrassom seja realizado apenas quando realmente for preciso, enfatizando que “um exame desnecessário pode resultar em um tratamento desnecessário”.
“Ao realizar um ultrassom em um nódulo que na verdade não necessitaria desse exame, muitas vezes se chega a uma biópsia com resultado indeterminado, tornando impossível diferenciar entre um nódulo benigno e maligno. Por precaução, o paciente pode acabar se submetendo a uma cirurgia da tireoide. Sem essa glândula, ele terá que lidar com a reposição hormonal pelo resto da vida, criando um efeito dominó indesejado. Tudo isso por causa de um exame que nem precisaria ter sido solicitado”, explica.
Não obstante, é razoável considerar as complicações cirúrgicas que podem surgir ao longo desse processo, como problemas crônicos de cálcio ou até mesmo rouquidão permanente.
Quando buscar atendimento médico?
Pacientes com alterações na tireoide frequentemente chegam ao consultório com queixas como aumento da glândula, engasgos persistentes, episódios de sufocamento ou desconforto estético, já que as mudanças são visíveis na região do pescoço.
Nesses casos, é fundamental buscar orientação médica, especialmente se notar que esses sinais estão acompanhados de outros sintomas característicos, como cansaço, queda de cabelo, unhas frágeis, sonolência durante o dia, lentidão no raciocínio e constipação intestinal.
“Ao chegar no consultório com esses sintomas, o paciente deve questionar o médico se a tireoide está funcionando bem”, indica a profissional. “Dentre as pacientes que chegam com queixas no consultório, apenas 20% têm um nódulo na tireoide com o impacto clínico e que, de fato, precisam ser tratados”, finaliza Carolina Ferraz.
6 de março de 2025
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