Olhar da Saúde 2025-Thumbs-Memória celular

Memória celular: por que o corpo “lembra” dos exercícios

Estudos confirmam a capacidade do corpo de preservar, por meses, boa parte dos estímulos recebidos durante os treinos

Você provavelmente já ouviu alguém dizer que “músculo tem memória”. Essa frase faz muito sentido. Mesmo depois de um tempo sem treinar, é comum perceber que o corpo volta a responder mais rápido quando retomamos os exercícios. A ciência explica isso por meio da memória celular, um processo que envolve o funcionamento das células e do DNA.

A memória celular é a capacidade que o corpo tem de “lembrar” os estímulos recebidos. Quando fazemos atividade física, o DNA das células musculares passa por pequenas modificações químicas, chamadas marcas epigenéticas, que não mudam os genes, mas influenciam como eles são ativados. Essas mudanças ajudam as células a produzirem as proteínas que aumentam a força, o tamanho e o funcionamento do músculo. Em outras palavras, o corpo cria um tipo de registro de tudo o que aprendeu durante o treino, facilitando uma nova adaptação quando a pessoa volta a se exercitar.

Durante o treino regular, o músculo se fortalece: ganha mais mitocôndrias (as usinas de energia das células), aumenta o tamanho das fibras e melhora o uso do açúcar como fonte de energia. Quando paramos de treinar, parte dessas melhorias pode diminuir, mas não desaparece completamente.

Um estudo recente mostrou que o corpo é muito eficiente em manter o que conquistou. Pessoas que reduziram a frequência para apenas um treino por semana conseguiram preservar praticamente toda a força, a massa muscular e o condicionamento por até três meses. Mesmo treinando a cada 14 dias, mantiveram de 90% a 95% dos ganhos obtidos. As maiores perdas só acontecem quando há interrupção total da atividade física, especialmente depois de seis semanas sem treino. Outros estudos confirmam esses resultados, mostrando que o corpo consegue preservar boa parte das adaptações mesmo com pausas curtas.

Nem todas as capacidades físicas reagem da mesma forma. A força muscular e a massa magra costumam ser as mais resistentes, embora com pequenas diferenças. Pesquisas mostram que a força se mantém por mais tempo, porque depende também da memória do sistema nervoso, que continua ativo mesmo com menos estímulo. Já a massa muscular é um pouco mais sensível à pausa e pode reduzir um pouco o volume com o tempo. A resistência aeróbica (ligada ao coração e aos pulmões) tende a cair um pouco mais rápido, mas um treino intenso por semana pode ajudar a preservá-la. Em resumo: o corpo guarda marcas que permitem recuperar força e resistência muito mais rápido quando a atividade é retomada.

As fibras musculares também reagem de forma diferente durante a pausa. As fibras do tipo I, usadas em atividades leves e contínuas, são as mais estáveis. As fibras do tipo IIa, que ajudam em movimentos mais fortes e rápidos, reduzem levemente o volume, mas voltam rápido com o treino. Já as fibras do tipo IIx, responsáveis por explosão e potência, são as que mais sofrem sem estímulo e diminuem de tamanho e força em poucas semanas. Mas, felizmente, também respondem muito bem quando o exercício é retomado.

Cada treino deixa um rastro no corpo: melhora os genes ligados à regeneração, aumenta o número de núcleos nas fibras musculares (os mionúcleos) e fortalece o metabolismo. Mesmo depois de uma pausa, essas adaptações ficam adormecidas, prontas para serem reativadas. Por isso, quem volta a se exercitar depois de um tempo parado recupera resultados mais rápido do que quem está começando do zero.

Por Marcos Fortes,

Olhar da Saúde-Marcos de Sá

Marcos Fortes

Educador físico, doutor em Clínica Médica e pós-doutor em Psicologia pela UFRJ e pesquisador do IPCFEx do Exército Brasileiro.

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