Qual a abordagem para quem tem quadros iniciais de Alzheimer?
Os danos cerebrais provocados pela doença começam anos antes de surgirem os primeiros sinais de alterações cognitivas. Novos fármacos prometem conter o avanço em casos diagnosticados precocemente, mas há ressalvas a serem consideradas
Com o envelhecimento da população no mundo todo – por aqui, as projeções indicam que, em 2050, 30% dos brasileiros estarão na faixa dos 60 anos ou mais –, cada vez mais famílias passam a encarar os desafios de cuidados de alguém que aos poucos vai apresentando lapsos de memória, irritabilidade e uma certa desorientação. Esse cenário lança uma preocupação: em que momento é indicado investigar a hipótese de se estar diante de um quadro de demência? E o que fazer caso ela se confirme?
“A doença de Alzheimer vai se instalando antes mesmo do que chamamos de estágio inicial, quando se notam sintomas leves, geralmente esquecimentos de datas, de alguns compromissos”, diz a neurologista Elisa de Paula França Resende, coordenadora do Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia (ABN). “Depois vem a fase em que essas falhas começam a comprometer a rotina. Por exemplo, a pessoa trabalha e passa a perder prazos. Ou se esquece de pagar contas, embora ainda consiga ir ao banco. Ela cozinha, faz compras, escolhe suas roupas, tem autonomia, mas surgem aqui e ali os indícios de déficits funcionais, como a incapacidade de planejar uma viagem ou uma festa”, descreve.
É o chamado comprometimento cognitivo leve. Ou, ainda, declínio cognitivo subjetivo, no qual o indivíduo percebe que a memória já não é a mesma, mas seu desempenho em testes de avaliação neuropsicológica é normal.
A dificuldade de fechar o diagnóstico de Alzheimer ainda é uma realidade. Elisa de Paula, que é também professora da Universidade Federal de Minas Gerais, explica que antes de tudo é preciso averiguar se a causa das queixas não seria reversível, associada, por exemplo, a mau funcionamento da tireoide, depressão, déficit de vitamina B12, problemas hepáticos ou renais.
O processo para identificar a demência tem como pilar uma avaliação clínica minuciosa, para levantar informações que sugiram o declínio de memória ou de mudanças de comportamento relevantes. A história é esmiuçada a partir de conversas com o paciente e pessoas de sua convivência próxima.
“O rastreio segue com a aplicação de testes cognitivos. Hoje há uma série de questionários padronizados para essa triagem”, diz Elisa de Paula. “Inclusive, o Ministério da Saúde publicou recentemente uma cartilha para auxiliar profissionais da atenção primária a reconhecer casos de demência”, ressalta. De acordo com o órgão, a ideia é que seja possível dar os primeiros passos para o diagnóstico já na porta de entrada do serviço público de saúde, a fim de fazer o encaminhamento adequado.
Se as suspeitas forem ganhando corpo, exames como ressonância magnética e análise do liquor, retirado da coluna vertebral, entram no esquema. Este último mede os níveis de proteínas TAU e beta-amiloide no sistema nervoso, substâncias cujo acúmulo está por trás do desenvolvimento do Alzheimer. “Esse recurso é mais caro e não está disponível no SUS, o que restringe bastante o seu uso”, comenta a neurologista. É possível ainda lançar mão da tomografia magnética PET amiloide, usada para estimar a medida dessas placas no cérebro, ou dos recentes exames que buscam traços das proteínas no sangue, mas essas estratégias igualmente apresentam custo elevado e não têm cobertura pelos planos de saúde.
Confirmado o comprometimento cognitivo logo no começo, o que fazer?
Do ponto de vista do manejo farmacológico, em geral os casos iniciais são tratados com inibidores de colinesterase, medicamentos que atuam na acetilcolina, neurotransmissor relacionado à memória e que aparece em menor quantidade nas pessoas com demência. Esses fármacos, entretanto, não atacam diretamente as placas de proteína que levam à deterioração cerebral e têm como objetivo apenas reduzir o ritmo de progressão do Alzheimer.
Hoje, uma nova classe de medicamentos vem despontando como mais promissora justamente por remover a beta-amiloide acumulada no cérebro. A terapia se baseia em anticorpos monoclonais e, aplicada bem no início da doença, poderia até reverter seu avanço.
“Existem duas dessas medicações em uso nos Estados Unidos, lecanemabe e donanemabe”, conta a neurologista Elisa de Paula. “São medicamentos bastante caros, injetáveis e que exigem um monitoramento por meio de ressonância magnética”, descreve a médica. “E nenhum deles foi aprovado pela Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária] para utilização no Brasil”, arremata.
O primeiro fármaco dessa linha, aliás, o aducanumabe, teve seu uso interrompido – os estudos mostraram que, mesmo tendo promovido a remoção das proteínas, os ganhos clínicos foram muito discretos, sem contar os efeitos colaterais desencadeados, como hemorragia e inchaço cerebral.
“Mas o futuro é animador”, diz Elisa de Paula. “Há muito investimento em pesquisa de novas moléculas, anticorpos menos tóxicos. Acredita-se que mais adiante será usada uma combinação de medicamentos mirando diferentes alvos, porque o Alzheimer não é um mecanismo único, e atuar em apenas um deles não vai levar a melhoras expressivas”, pondera.
Até lá, a especialista lembra que a doença pode ser retardada também a partir de mudanças no estilo de vida, com exercícios físicos regulares, alimentação saudável, além de estimulação cognitiva orientada por terapeutas ocupacionais e atividades como jogos que desafiam o cérebro.
5 de dezembro de 2024
,